Introdução do Rabino Aryeh Carmell
Uma Breve Biografia
O Rabino Eliyáhu Eliezer Dessler nasceu na cidade de Liwau, Lituânia, em 16 de Sivan de 5652 (1892). Seu pai, o Rabino Reuben Dov Dessler, e seu tio, Rabino Guedália, foram discípulos do ilustre Rabino Simcha Zissel Ziv Z?L, o grande mestre do Mussár (moral) que, por sua vez, havia sido aluno do Rabino Israel Salanter, o precursor do movimento do Mussár.
Durante a juventude, o pai e o tio do Rabino Dessler estudaram na instituição especial criada pelo Rabino Zissel Ziv em Grovin, perto de Liwau. Além dos estudos talmúdicos, o currículo incluía algumas horas dedicadas às disciplinas laicas e ao idioma russo, vistas como de grande importância para os que viessem a atuar em atividades comerciais que exigissem contatos com o mundo não judaico. O Mussár, tiveram o privilégio de aprender do próprio Rabino Zissel Ziv, que possuía o dom de aperfeiçoar a personalidade de seus alunos segundo as mais elevadas exigências morais da Torá.
Mais tarde, o Rabino Reuben Dov e seu irmão estudaram com o Rabino Zissel Ziv na conhecida Ieshivá de Mussár ?Bêt Talmud Torá?, em Helm. O Rabino Reuben Dov acabou se revelando um discípulo brilhante e, nos anos seguintes, integrou a direção da Ieshivá.
O pequeno Eliezer Reuben foi iniciado nos fundamentos da Torá e do Mussár desde tenra infância, quando vivia com seu pai na cidade de Homel (Gomel, em russo). Tinha professores particulares e seu currículo de estudos inclua também o idioma russo, aritmética etc., de acordo com o método adotado pelo Rabino Simcha Zissel Ziv.
Em Helm
Em função de seus inúmeros talentos, que já se faziam notar desde muito cedo (outro tio, o Gaon, Rabino Chayim Ozer, o chamava de ?pequeno prodígio?), Eliezer Reuben foi enviado por seu pai ao Talmud Torá de Helm com apenas treze anos de idade, tornando-se o mais jovem estudante da instituição. Ali, estudou durante dezoito anos (com algumas intermissões) e seu talento rendeu-lhe um nome respeitável. Contam-se maravilhas a respeito de sua genialidade no campo da Halachá (a legislação mosaica). Seu afinco e concentração eram motivos de admiração. Quando se recolhia para estudar, nada desviava sua atenção. Os colegas mais brincalhões chamavam-no "Elic, o diligente".
Em 5674 (1913), quando os alemães conquistaram a cidade de Helm, Eliezer Reuben retornou a Homel, onde estudou na Ieshivá fundada e dirigida por seu pai, Rabino Reuven, instituição mantida também graças a ajuda de ex-estudantes de Ieshivót da Lituânia.
Homel era uma cidade de judeus chassídicos e o contato de Eliezer Reuven com o chassidismo fez com que passasse a ter grande reverência pelos mestres deste movimento. Mais tarde, a admiração se traduziria em um de seus trabalhos mais interessantes - a versão de temas cabalísticos em conceitos de Mussár.
Quando os bolchevistas se fizeram ouvir em 5678 (1917), o Rabino Dessler voltou para Helm e continuou seus estudos. Um ano depois, casou-se com a filha do Gaon, Rabino Nachum Zeev, filho do Rabino Simcha Zissel Ziv.
Enquanto isso, os bolchevistas ganhavam mais poder. As posses dos Dessler começavam a minguar. Suas vidas corriam perigo e, por milagre, conseguiram se salvar. O tio do Rabino Dessler, o Gaon, Rabino Chayim Ozer Grodzinski, um dos grandes de sua geração, convidou-o para ocupar o posto de Dayan (juiz) em Vilna. Mas a tentativa não deu resultado e foram precisos alguns anos para que o Rabino quitasse o último centavo de suas dívidas. Começaram então os anos de viagens.
Londres
Em 5687 (1926), o Rabino Dessler viajou para a Inglaterra com a esposa e os filhos. Nomeado rabino de uma pequena sinagoga situada na área leste de Londres, fixou residência na cidade. Alguns anos depois, recebeu e aceitou o convite para liderar uma sinagoga maior, no norte de Londres, e acumulou a este o cargo de rabino responsável de um importante Talmud Torá, instituição onde as aulas eram ministradas depois do horário das escolas laicas.
Mas há indicações de que o Rabino Dessler não gostava da posição que ali ocupava, como faz crer uma frase que disse ao diretório da comunidade: "Dos quatrocentos rapazes que frequentam este Talmud Torá, levamos em conta um ou dois, que removemos do grupo e enviamos às Ieshivót. O restante nem se lembrará como se recita um Cadish." Com esta observação, ele expressou um ponto fundamental no seu modo de ver a educação: era mais válido dedicar-se a um só aluno interessado do que mil alunos não verdadeiramente interessados.
Durante o mesmo período, realizava-se dando aulas particulares a um grupo reduzido de discípulos. O mestre, de abençoada memória, observava atentamente os progressos intelectuais de seus pupilos para abrir-lhes as portas do conhecimento de modo a garantir-lhes o melhor aproveitamento possível, aproximando-os da Torá com toda a força de seu carisma inato. Estudavam principalmente os assuntos de Halachá, e o Rabino incutia-lhes o conhecimento de um modo meticuloso e profundo, levando-os à compreensão dos diversos comentários do Talmud até suas mentes e corações tornarem-se afiados.
Ao mesmo tempo que o Rabino Dessler desvendava pouco a pouco os mistérios do Mussár e a visão da vida que este estudo exige, seus alunos tinham um exemplo vivo e contínuo do que é Mussár ao observarem a conduta do mestre, suas virtudes e caráter notável, e o modo que os tratava ? como um pai trata a um filho.
Uma característica da sua fabulosa dedicação aos alunos estava em responder a qualquer pergunta que estes lhe formulavam, de pequena ou grande relevância, sobre assuntos materiais ou espirituais, concentrando-se de modo a prover uma resposta ou conselho satisfatório, sempre de acordo com a personalidade e necessidades de quem perguntava. Foi nesta época que escreveu o "Compêndio sobre a Bondade", tão característico de seu modo de pensar e agir. Alguns de seus alunos tinham conhecimentos modernos antes de estudar com ele, mas depararam-se com esforços vigorosos por parte do Rabino para tentar elucidar os assuntos que estudavam, de modo a tornar reto o caminho tortuoso do pensamento moderno que povoava suas mentes. Como resultado, foram nascendo temas como "A essência do arbítrio", "A essência da natureza" e outros.
O Rabino Dessler pôde constatar os frutos que de sua dedicação a seus alunos. Muitos se tornaram eruditos da Torá e personalidades exponenciais na comunidade, continuando intimamente ligados ao seu mestre até seu último dia na terra.
A Crise
Eclodiu a Segunda Guerra Mundial. As desgraças que se abatiam sobre nosso povo, impondo grande sofrimento espiritual ao Rabino, faziam-no revelar sua grande força interior. Pouco antes, sua esposa e sua filha tinha viajado a Vilna para visitar o filho e o restante da família. Quando a guerra começou, o contato entre eles se interrompeu. Para quem não conhecia a sensibilidade do Rabino, seria difícil saber o quanto ele estava sofrendo, pois não deixava transparecer suas aflições: não admitia jogar sua própria angústia sobre os ombros das pessoas à sua volta. Ao contrário, via-se na obrigação de consolar e alegrar os corações daqueles que sofriam. Um eco de seu modo de agir podia ser notado nas palavras que pronunciou certa vez a um visitante: "Não tenho com que me preocupar quando à minha família, pois estão sob os cuidados de um Tsadic (um justo), meu cunhado, o Rabino Daniel, e certamente passam bem... [no sentido espiritual]". Após algum tempo, ele soube que haviam fugido - sua esposa e filha para a Austrália e o filho, para os Estados Unidos. O Rabino Dessler não os viu até o fim da guerra.
Sua solidariedade para com a dor alheia não conhecia limites. Todas as suas prédicas durante esse período abordavam o assunto. Um pensamento visitava continuamente sua mente: "Com que finalidade o Altíssimo nos deixara vivos?". (Veja a carta: "E foi após a destruição", pág. 75).
Em 5701 (1941), o Rabino obteve uma resposta à sua pergunta. Recebeu uma carta do Rabino David Dreian, shochêt da comunidade judaica de Gateshead, norte da Inglaterra, que desejava abrir na cidade um Colel de Avrechim para os refugiados de Ieshivót dispersos por toda a Inglaterra e que, para isto, precisava de sua orientação.
A pequena comunidade de Gateshead (situada num subúrbio operário perto da cidade de New Castle) era uma comunidade ímpar na Inglaterra: totalmente composta por judeus ortodoxos, contava exclusivamente com chefes de família praticantes e estudiosos da Torá. Seu líder era o Rabino Naftali Shakovitsky Z"L, um dos discípulos do Chafetz Chayim. O shochêt da comunidade, Rabino David, tinha aparência simples e caráter único: o calor da Torá flamejava em seu coração e sua única meta na vida era fazer com que as chamas inflamassem outros corações. Com um esforço impressionante, conseguiu erguer uma importante Ieshivá na cidade.
Quando o Rabino Dessler recebeu sua carta, soube que estava frente a uma decisão. À primeira vista, a proposta do Rabino David parecia um sonho impraticável, pois o momento era de perigo. Os sistemas fiduciários haviam desmoronado; a pauta das comunidades encontrava-se corroída e a maior parte dos filantropos estava escondida nas aldeias para fugir dos bombardeios frequentes sobre Londres e seus arredores. Como podiam pensar em erguer uma nova instituição nesta situação?
Seriam necessários esforços incomensuráveis. Poucos judeus na Inglaterra conheciam o valor e o significado de um Ben-Ieshivá e o conceito de Colel estava ainda mais distante de sua compreensão, até mesmo entre alguns judeus ortodoxos. Seria preciso uma dose maciça de conscientização. Quem aceitaria a grande responsabilidade de ocupar-se do sustento das famílias dos que viessem estudar em tempo integral? E quem aceitaria receber a soma necessária para tão ousada causa, com todo o labor que uma empreitada como esta exigiria? Seria ele um homem tímido, recatado, não habituado às causas públicas, já nos seus cinquenta anos e não tão saudável?
Mas a urgência da causa era óbvia...
Entre os refugiados, havia excelentes estudiosos de Torá - alguns deles se dedicavam à mistvá de corpo e alma, inclusive às custas do próprio conforto. Entre os casados, havia aqueles que já estavam prontos para ocupar um posto de rabino, mas recusavam-se a abrir mão do crescimento espiritual que almejavam nas grandes Ieshivót. Nestes círculos, identificava-se claramente a "fome pela palavra de Deus". Mas as chances de se alcançar o objetivo tornavam-se mínimas. Precisavam de um líder à altura. Precisavam estudar em uma Ieshivá de nível elevado. E de alguém que se preocupasse com seu futuro.
O Rabino Dessler vislumbrou tudo isto e mais. "Onde crescerão os grandes da Torá numa geração órfã como esta? Quem será nosso mestre e tutor dentro de vinte anos? De onde sairão líderes espirituais, se cada aluno precisar ocupar-se com um emprego ou sair ao comércio para ganhar o pão?" Estas eram suas indagações e elas refletiam até onde ia seu comprometimento.
Estava claro que os Céus lhe indicavam o caminho a seguir. Ele sabia com certeza que deveria aceitar a missão que lhe era oferecida e que seu cumprimento seria a parte que lhe caberia na reconstrução em meio às ruínas.
Mas o Rabino não aceitou a proposta facilmente. Um dos problemas dizia respeito aos seus alunos em Londres - "O que acontecerá com eles?," perguntava-se, pois também eram sua responsabilidade. O que deve ter precedência, auxiliar os que já sabem, esperando fazer deles grandes homens, ou educar os pequenos para serem grandes homens no futuro? O Rabino Dessler não chegou a formular a questão desta maneira, mas sabia-se que o tema ocupava sua mente através das palavras que disse na época: ?Aquele que deseja ensinar porque traz dentro de si um elevado grau de bondade, melhor que ensine os pequeninos, pois fará deles homens bons; mas quem ensinar motivado por honras e outras preocupações não pertinentes ao ensino, melhor que estude com adultos de bom caráter, que aprimorarão o seu e lhe adicionarão méritos, ao passo que os pequeninos os diminuirão?.
Gateshead
O problema lhe parecia simples, tamanha era sua humildade. Não abandonou seus antigos alunos por completo. Com uma agilidade impressionante para sua frágil condição de saúde e com imenso sacrifício, Rabino Dessler acabou acumulando simultaneamente quatro grandes funções: a gerência dos assuntos internos do Colel, tanto os de cunho material quanto os de natureza espiritual; a responsabilidade pela maior parte das despesas da instituição, preparar e proferir palestras semanais sobre Mussár para o Colel e seguir com as aulas particulares para seus antigos alunos, bem como para novos grupos que haviam se formado em Londres e Manchester.
Como a separação da família lhe poupara da responsabilidade acarretada por um lar (para ele, também exemplo da Providência Divina), ele viu-se na obrigação de dedicar literalmente toda a sua vida aos elevados objetivos de interesse Divino, sem deixar tempo algum para si. Esta agenda, observada meticulosamente e sem intervalos durante mais de quatro anos, provou a capacidade sobre-humana do Rabino Dessler. Dois ou três dias por semana dava aulas para diversos grupos de alunos em Londres e cidades vizinhas, e a remuneração que recebia em alguns lugares bastava-lhe para o próprio sustento e também para enviar algum dinheiro à família que estava longe, pois decidira não receber centavo algum do Colel em pagamento por seus serviços. O restante de suas atividades, senão a maior parte delas, eram levadas a cabo sem remuneração alguma, com o intuito de não cancelar aquelas com as quais se havia comprometido e de não abandonar quem o procurava em busca de aprendizado.
Como as horas do dia não eram suficientes para atender a todos os alunos, alguns tinham que ficar despertos toda a noite para estudar com o Rabino. Durante os outros dias da semana e nos intervalos entre as aulas, ocupava-se em angariar fundos para manter o Colel. As longas viagens necessárias para este intento aconteciam principalmente à noite. Nas noites de quinta-feira, retornava a Gateshead, onde passava o Shabat e o domingo, se necessário. Na volta a Londres costumava parar em Manchester, onde um grupo de eruditos em Torá o esperava.
Além de todo este expediente, o Rabino Dessler ainda encontrava tempo para atender a solicitações particulares de todos os que o conheciam sobre assuntos educacionais, Shiduchim etc. Interessava-se também pelas necessidades materiais das pessoas e sempre perguntava por sua saúde. Também respondia pessoalmente as cartas que recebia, não somente da esposa e dos filhos, mas de discípulos espalhados por diversos países e de inúmeras outros. Quando escreveu em sua carta "A fé nos Sábios e Purim" as palavras "Farei da noite dia e responderei a vossa missiva...", não o fez em sentido figurado, pois esta era sua realidade: tudo o que ia além do horário diurno de atendimento à comunidade, realizava às custas de suas horas de descanso.
E mais: ele ainda encontrava tempo para elaborar e expressar novas ideias, com genial profundidade, esclarecendo contos de nossos Sábios, do Midrash ao Zôhar, onde revelava fundamentos ocultos do Mussár e dos poderes da alma, interligando os temas, sempre com preciosos desfechos para despertar o espírito. Foi durante este período, quando trabalhou sem trégua para erigir o Colel, administrá-lo e prover suas necessidades, que o Rabino Dessler converteu-se numa fonte de águas ? de saber ? inesgotável, de onde transbordavam ensinamentos de Torá e Mussár.
Tudo isto parecerá assombroso para quem não o conheceu; mesmo nós, que o conhecemos, nos maravilhamos até hoje com sua obra. Mas durante seus dias não o víamos desse modo. Sua humildade era tanta que ele fazia tudo parecer natural e simples ? tanto aos seus próprios olhos quanto aos olhos de outros. Foi desta maneira que administrou todos os assuntos do Colel e outras instituições que dele se originaram ao longo do tempo.
Desde o início de seu trabalho no Colel, o Rabino Dessler decidiu que a instituição não contrairia dívidas. Preocupava-se com isto semana após semana. Quando faltava dinheiro, ele esforçava-se para obter o que era preciso e Deus garantia seu sucesso, fazendo doações chegarem sempre a tempo, vindas dos lugares menos esperados. Este auxílio Divino era motivo de espanto até mesmo para Rabino, que se perguntava: ?Como pode um simplório como eu merecer tão grandes milagres??
As atividades do Colel refletiram-se imediatamente no desenvolvimento da Ieshivá de Gateshead. Com o passar dos anos, o quadro de alunos aumentou, e o Colel proveu um Rosh Ieshivá e um guia espiritual. Graças às iniciativas do Rabino Dessler e sob sua orientação, outras instituições começaram a formar-se ao redor do Colel, como o renomado ?Seminário para Professoras? e um internato que preparava rapazes para a Ieshivá.
O Colel também enviou alguns de seus mais brilhantes integrantes para localidades distantes: companheiros do Rabino, com sua ajuda, fundaram uma nova Ieshivá em Sonderland; um internato em Manchester; uma Ieshivá, um Colel e instituições educacionais de Tanger (Marrocos), além de um Centro de Torá e Oficina de Artes em Londres (para os ex-alunos das Ieshivót que haviam estudado Artes). Tornou-se também fonte de inúmeros eruditos que atuaram em ieshivót, cortes rabínicas etc., na Inglaterra e em outros países.
Ainda é cedo para aferirmos a dimensão da obra do Rabino Dessler em prol da Torá e da reconstrução de um judaísmo em ruínas. Mas fica claro para todos nós que o ano de 5701 - da fundação do Colel - marcou o ressurgimento do judaísmo britânico. Os ecos do que começou naquele momento ressoam até os dias de hoje.
Bnei Brak
Depois da guerra, acumularam-se os fatores que mudariam o curso de atuação do Rabino Dessler. Seus tremendos esforços haviam deixado marcas em sua saúde. A idade chegava e o Rabino viu que não poderia continuar a despender tanto esforço. Tentou incansavelmente estabelecer um andamento para o Colel de modo que a instituição não precisasse tanto dele mas, se continuasse no mesmo ritmo, havia o risco disso acontecer antes do tempo.
Em 5707, o Rabino Iossêf Kahanman, conhecido como o Rabino da Ieshivá de Ponevez, em Zichron Meir, Bnei Brak (Israel), convidou o Rabino Dessler para ocupar o cargo de rabino responsável da famosa instituição. O convite foi aceito, sob a condição de que ele pudesse paralelamente dar continuidade às suas atividades na Inglaterra.
Quando imigrou para Israel com sua esposa em 5708, um novo capítulo teve início em sua vida. Após longos períodos de incessante atividade, encontrou tempo livre para aprofundar-se em seus estudos. Mas o dinamismo era o mesmo.
Aos mais de mil artigos que havia escrito antes de ir para a Terra Santa, muitos outros passaram a se somar. Nunca menos do que três vezes por semana o Rabino dissertava sobre eles aos alunos da Ieshivá. Investiu muito esforço nessas dissertações, que eram compiladas a partir de contos completos de nossos Sábios, de abençoada memória; do Mussár, dos poderes da alma e de assuntos que faziam parte do cotidiano. Não raro, o Rabino dedicava cerca de vinte e cinco horas para a compilar uma única dissertação. Foi um período singularmente frutífero: novos fundamentos foram revelados e inúmeras ideias, antes apenas pequeninos botões, agora desabrochavam em flor.
Ao mesmo tempo, o contato com seus alunos no Exterior continuava frequente. Quase todos os anos, nos períodos de férias, viajava à Inglaterra para vistoriar pessoalmente o desenrolar dos projetos que ajudara a instaurar e para encontrar-se com os administradores das instituições, que ainda o viam como seu líder. Nessas ocasiões, ele também procurava dar início a novos projetos. Às vezes viajava aos Estados Unidos, onde viviam seu filho e sua filha.
Após o falecimento de sua devotada esposa em 5711, em Jerusalém, o Rabino Dessler mergulhou ainda com mais intensidade em sua obra. Já bastante conhecido em Israel, era sempre convidado a discursar diante de grandes plateias. Suas palavras ecoavam em ouvidos maravilhados, principalmente nas Ieshivót de Mussár em Jerusalém, o que o tornou um dos grandes mestres de sua geração na disciplina.
O Rabino Dessler também atuava com vigor em prol dos alunos de Ieshivót e instituições de ensino de Torá em geral, sempre de modo discreto, distante do olhar público. Ajudou a difundir as obras da Liga dos Ativistas Religiosos, que via como de suma importância para difusão do espírito da Torá por toda a Terra de Israel, uma postura que lhe alentava o espírito.
A Partida
Cerca de um ano antes de falecer, o Rabino Dessler passou a sentir dores nas pernas, diagnosticadas como problemas de circulação. Mas ele não deixou que seus alunos soubessem. Não queria preocupá-los. Quando acompanhou o funeral de Marán, o Chazon Ish, cerca de dois meses antes de sua partida, sentiu dores intensas, mas forçou-se a acompanhar o cortejo. Ele viu então suas forças minguarem ainda mais, mas não deixou de dissertar na Ieshivá, como de hábito.
Uma semana antes de morrer, o Rabino Dessler caiu de cama. Mas não parou de trabalhar. Muitos o visitaram. Seus discípulos vinham consultá-lo, como de costume, e ele continuou a escrever as próprias cartas. Mas sentia os sinais de sua partida da terra, pois perguntava a muitos que vinham ver-lhe sobre o significado de alguns comentários de nossos Sábios, de abençoada memória, sobre assuntos relativos a pessoas à beira da morte.
No dia de seu falecimento, 25 de Tevêt de 5714, sentiu-se melhor e estudantes da Ieshivá visitaram-no até as quatro horas da tarde. O Rabino Dessler conversou com eles normalmente. Naquela hora, chegou o médico chamado dias antes para dar o diagnóstico final sobre a enfermidade. O Rabino teve um forte ataque cardíaco em sua presença. Com a serenidade que lhe era característica, descreveu ao médico seu estado e acrescentou: ?Jamais senti tamanha dor em toda a minha vida?. Cerrou então os olhos e não voltou a falar.
Deixou um filho, o Rabino Nachum Dessler, Shelita, diretor do Centro de Estudos Religiosos de Cleveland, junto às instituições da Ieshivá de Telz. Sua filha casou-se com o Rabino Eliahu Iehoshua Shelita, fundador e diretor de uma escola de sucesso em Nova Iorque.
Que seus méritos os protejam e nos protejam!
O Legado para as Gerações Futuras
Um ano antes de sua partida, o Rabino Dessler começou a reunir seus artigos e ensaios para compilá-los em forma de livro mas, infelizmente. veio a falecer antes que pudesse completar seu projeto. A missão foi delegada a seus discípulos e, um ano após sua morte, foi publicado o primeiro volume de seus artigos, intitulado "Michtav me Eliahu", em honra ao versículo: "E foi que lhe trouxeram uma carta de Elias, o profeta" (2 Crônicas, 21:12), onde Rashi comenta: "Depois de ascender aos céus, recebeu esta carta".
Esse primeiro volume foi organizado e editado pelo Rabino Alter Halpern, Shelita, da Ieshivá Torát Emet, de Londres, e por quem escreve estas linhas. Em 5723, foram publicados o segundo e o terceiro volumes, editados pelo Rabino Chayim Friedlander, e por quem escreve estas linhas. Em 5743, após a morte do Rabino Friedlander, veio o quarto volume, editado por quem escreve estas linhas. A obra foi amplamente difundida e apreciada por estudantes de Torá e amantes do Mussár em todos os círculos judaicos do mundo, tendo sido parte dela traduzida para o inglês, o francês, o espanhol e o russo. Podemos dizer que o livro revolucionou o mundo do pensamento judaico, e que suas idéias e elaborações originais ecoam por todo esse universo.
Sobre Este Livro
Como a obra foi compilada em um hebraico "rabínico", repleto de siglas e trechos do Talmud e Midrash, sem citação de fontes, vimos por bem escrever uma versão em hebraico moderno para facilitar a leitura por aqueles que não estão habituados ao primeiro formato. Em locais onde fez-se necessário, adicionamos uma pequena introdução, com a finalidade de apresentar ao leitor o ponto chave do artigo e atualizando exemplos e metáforas, de modo a se adequarem mais à nossa realidade.
Este livro inclui toda a Primeira Seção do primeiro volume, com a adição de alguns dos principais artigos da Segunda Seção, como o "Discurso Sobre o Arbítrio, primeira parte", que aqui figura como "A Essência da Escolha"; a série de artigos "O Milagre da Natureza"; e o "Discurso sobre Chéssed (Bondade), segunda parte", que aqui apresentamos como "O Papel Central da Bondade no Plano da Torá". Acrescentamos também o artigo "Livre-arbítrio e o Meio Social", da Terceira Seção.
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Vejo-me na feliz obrigação de expressar minha profunda gratidão ao Rabino Moshe Grylak, editor de "Conheça teu Judaísmo" e "Centelhas", primeiro rabino a dar início a esta missão e que me encorajou durante anos e concluí-la, assim como à Sra. Guila Schwartz de Rechovot (Israel) por sua excelente tradução e ao Sr. Isaac Recanati, de Jerusalém, pela impecável edição.
Jerusalém, Adar I, 5755.
Rabino Aryeh Carmell