Introdução
A Torá, sem sombra de dúvidas, é o livro que mais impactou a história da humanidade. Arrebatando multidões e transformando culturas, foi por seu intermédio que conceitos como amor ao próximo, acolhimento ao imigrante, descanso semanal da jornada de trabalho, além da fé em um único Deus, chegaram praticamente a todo o planeta.
Seus ensinamentos vêm intercalados por histórias que narram desde a Criação do Mundo, no Gênesis, até a entrada do povo de Israel à Terra Prometida, no Deuteronômio. E se na cultura popular ela é tomada como a palavra de Deus, de modo literal, na tradição judaica ela é vista, de modo mais complexo, como um combinado de caracteres que, enquanto tratam na superfície de histórias e leis, em suas camadas mais profundas ela se relaciona com a dimensão oculta da alma, da existência e de seus propósitos espirituais.
Nas últimas décadas, com o advento da informática, fortaleceu-se a ideia, já antiga, de que o texto bíblico contém palavras cifradas que, dialogando com o relato onde aparecem, aludiriam a eventos que aconteceriam milênios depois, como, por exemplo, o Holocausto e a derrubada das Torres Gêmeas. Apesar de empolgar muitas pessoas, essa tese sofreu forte oposição por parte de alguns acadêmicos, que desde então vem travando verdadeiras batalhas ao redor do tema com rabinos e outros acadêmicos de renome que, por sua vez, defendem a tese.
Mas para além das questões estatísticas, surge uma pergunta intuitiva:
Não seria uma espécie de delírio associar um texto com elementos aparentemente tão simples com uma estrutura matemática tão complexa? Não seria mais adequado assumir que os códigos da bíblia seriam meras coincidências casuais e procurar a profundidade das Escrituras em seus aspectos simbólicos e arquetípicos ou nas profecias já realizadas?
Como preencher o abismo existente entre os relatos ingênuos referentes a Eva e à serpente e a ideia de um texto pautado em rígidos critérios matemáticos? Como associar as fabulosas idades dos filhos de Adão ou a ideia de uma arca de 150 metros na qual conteriam todas as dezenas de milhões de espécies de animais existentes, à complexidade matemática que os cabalistas atribuem à Torá?
Foi refletindo sobre estas questões que decidi procurar por uma resposta nos trechos mais intrigantes - e mais fantásticos - da Bíblia, onde o protagonismo é desempenhado pelos números, a saber:
- * A construção da Arca de Noé e o Dilúvio,
- * Os censos do povo de Israel,
- * A obra do Tabernáculo.
Quiçá a aparente obsessão destas passagens com pesos, medidas e quantidades, que costumam deixar perplexos muitos dos leitores, contivesse as chaves para preencher o abismo citado anteriormente, de modo a permitir ao leitor comum transitar entre a superfície do texto e o seu misterioso subsolo, de modo racional e seguro, sem precisar do suporte da vontade de crer ou do acato de ideias em nome da tradição ou de inspirações.
Após muitos anos de pesquisas, completo esta obra convicto de que seus resultados, na forma de livro, possibilitarão ao grande público conhecer - e não somente acreditar - na existência de uma dimensão oculta das Escrituras, que contém mensagens que combinam Geometria e virtudes, Astronomia e propósitos, marcos temporais e arquétipos psicológicos edificantes, além da possibilidade futurística ventilada pelos códigos da Bíblia.
A você, caro leitor, desejo uma boa leitura e deixo uma observação importante: a análise feita nesse livro segue a ordem dos textos da Torá que, por sua vez, trazem seus ensinamentos de modo cumulativo. Isto significa que os conceitos apresentados nos primeiros capítulos serão confirmados e melhor elucidados à medida em que os assuntos forem sendo desenvolvidos.
No decorrer da obra intercalo explicações matematicamente confirmadas com teses plausíveis. E enquanto algumas destas explicações resolverão, de modo definitivo, alguns dos maiores enigmas da Torá, outras, para as quais obtive somente evidências, o aceite ficará a cargo do leitor.
Sobre como cheguei ao conteúdo deste livro
Há 31 anos, quando iniciei meus estudos na Yeshivá (seminário rabínico), meu principal interesse era a dimensão secreta da religião - o Sod (segredos místicos) -, associada à Cabalá. Eu queria saber mais sobre o mundo espiritual, o propósito da Criação e, principalmente, entender a nossa missão nesta vida material. No entanto, por se tratar de uma instituição focada no estudo do Talmud, tive de relegar esse interesse para o segundo plano e mitigá-lo particularmente, por meio da leitura e de aulas a respeito. Apesar do encanto inicial, com o passar dos anos e do incremento do espírito crítico, fui tomado de certo ceticismo em relação à maioria das informações que ouvia a respeito desse tema, por diversas razões:
1. A maior parte delas não estava lastreada nas Escrituras, e em muitas, os indícios apresentados não eram fortes o suficiente para me convencer. O argumento da "autoridade" ("foi um grande rabino que falou!") não satisfazia a minha sede de saber.
2. Com raras exceções, as informações apresentadas eram esparsas e desagregadas, e não compunham um sistema mais amplo, o que corroboraria uma ideia de intencionalidade e veracidade.
3. Muitas das interpretações ouvidas, principalmente as que envolviam cálculos numéricos, pareciam adaptadas por seus propositores de modo um tanto forçado, para que fossem aceitas pelos ouvintes. Ora, se a dimensão numérica das Escrituras era mesmo algo real, por que não havia evidências dela, claras e sistemáticas, nas histórias da Torá?
Tudo isso acabou gerando em mim certa incredulidade em relação à existência de "camadas ocultas" nos textos, sobre as quais ouvia falar desde a minha juventude. Ainda assim, nunca fechei as portas a tal possibilidade, mantendo-me alerta e atento durante as minhas leituras e estudos. Além da tradição, algo nos textos me dizia que certas alusões relacionadas ao Sod podiam ser reais.
Certa vez, há mais de dez anos, notei na passagem referente à construção do Tabernáculo um forte indício de que os números mencionados tinham um significado para além da literalidade. Tempos depois, ao estudar a passagem do Dilúvio, percebi, em meio às suas referências numéricas, mais uma evidência que logo se somou a outra, encontrada nas idades de Adão e seus descendentes. "Isso já é o suficiente para que eu escreva um livro interessante", pensei.
De início, a obra trataria apenas daquelas referências. No entanto, no decorrer da escrita, dei-me conta de que aquilo que eu havia encontrado, muito mais do que fortes indícios, era na realidade uma poderosa "chave" que me permitia adentrar na dimensão oculta dos textos e acessar uma compreensão sistemática dos mesmos. E assim, em vez de escrever o livro, passei a dizer que "estava sendo escrito por ele", dada a mudança que essa experiência causara em minha própria forma de olhar e perceber a Torá e, consequentemente, a minha própria existência.
Agora, ao menos para mim, a dimensão Sod é um fato incontestável!
Outra grata surpresa durante a pesquisa e a escrita desta obra foi voltar a me deparar com várias afirmações que ouvira em nome de renomados cabalistas em algumas das principais obras consultadas sobre o tema - como Zôhar, Sêfer Ietsirá, Néfesh Hachayim, Ets Chayim etc. A diferença era que, agora, essas informações não mais chegavam a mim de forma arbitrária e extemporânea, mas sim, como resultado de uma pesquisa cuja matéria-prima era apenas e tão somente os versículos da Torá e as chaves por mim encontradas.
Além dos estudos que me levaram aos resultados que ora apresento, encontrei outros que me parecem inéditos, o que agrega responsabilidade e peso maiores à obra.
É relevante ressaltar que, no decorrer do estudo, ao buscar mais informações a respeito do que eu encontrara, deparei-me na Internet com os resultados de importantes pesquisas que até então desconhecia, entre elas, as de Oren Evron - referentes ao número Pi e à sequência de Fibonacci - e as dos Rabinos Shemuel Yaniv e Yitzchak Ginsburgh, principalmente no tocante ao número 1.820, revelado pelo Rabino Zalman Pinchas Urwitz, elemento com o qual também me deparei em minhas investigações.
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Finalizo agradecendo a Deus, à minha família, ancestrais, mestres e amigos, pela satisfação de poder compartilhar o resultado das minhas pesquisas com o grande público.
Rabino Gilberto Ventura