Prefácio
Em sua obra "Rezar como Judeu", o saudoso Rabino Hayim Halevy Donim esclarece o sentido da oração e por que rezamos. Resumidamente, ele diz assim:
"Eu rezo porque, sinceramente, desejo desafogar-me e falar com meu Pai celestial e comunicar-me com Ele de um modo pelo qual não posso me comunicar com mais ninguém. Às vezes, isso acontece quando estou aflito ou me sinto só e abandonado. Às vezes, quando me sinto angustiado pelo estado de um ser querido; outras vezes, quando experimento uma imensa sensação de alívio ou recebo uma boa notícia e sinto a necessidade de expressar a minha gratidão.
Embora não possa vê-Lo, sei e sinto que Deus é real e presente! E mesmo sem saber se Ele aceitará as minhas preces e responderá afirmativamente a elas, sei e creio firmemente que Ele as escuta!
Vivemos numa época na qual não se costuma rezar...
Pode ser por causa da nossa arrogância e incapacidade de sentir reverência e gratidão. Afinal, temos tanta fé em nós mesmos e na nossa capacidade pessoal, que carecemos da necessária humildade para tal. Ou porque não sabemos muito bem como fazê-lo, pois nunca se preocuparam muito em nos ensinar.
Não obstante, frequentemente suspiramos de alívio e dizemos "Graças a Deus", depois de superarmos períodos de intensa ansiedade, de um grave acidente ou enfermidade, ou quando um ser querido que estava entre a vida e a morte se recupera, ou quando obtemos grande êxito no nosso trabalho - o que não deixa de ser um tipo de oração.
Da mesma forma, quando sentimos remorso por alguma atitude incorreta que tenhamos cometido e, no mais íntimo dos nossos pensamentos, dizemos: "Como estou aflito por causa disso!", isto também é uma prece, especialmente se acompanhada das palavras "Perdoa-me!".
Os livros judaicos de oração compreendem vários tipos de preces: as de pedido, propriamente ditas, as de agradecimento, as de louvor ao Eterno e as que, basicamente, são formas de introspecção e de confissão.
A chave do verdadeiro propósito de se entregar à oração encontra-se na etimologia do termo "rezar", em hebraico, que não significa "rogar" ou "suplicar" , e sim "julgar a si mesmo". E mesmo que solicitemos a Deus que nos proporcione o que nos falta, ou que Lhe agradeçamos por algum bem que nos foi brindado, ou O exaltemos por Seus imponentes atributos, toda prece está destinada a nos ajudar a nos convertermos em seres humanos melhores.
Ainda que, às vezes, preces espontâneas possam aflorar facilmente aos lábios, no geral isto representa um grande desafio, ainda mais para quem não está acostumado a rezar. Por isso, os mestres do judaísmo decidiram compor orações nas quais pudéssemos dar expressão a toda vasta gama de estados de ânimo do ser humano, às nossas esperanças e temores pessoais, às nossas aspirações e experiências racionais, às nossas mais simples necessidades materiais e às nossas mais elevadas aspirações espirituais, e desse modo também nos ensinaram o que devemos pedir e quais aspirações devemos sustentar.
Estas orações clássicas têm resistido à prova do tempo, e os judeus têm encontrado sentido e conteúdo nessas palavras há três mil anos.
Mas a capacidade de rezar não é patrimônio exclusivo dos fiéis de um determinado credo, e toda pessoa que crê em Deus - e até mesmo as não crentes recalcitrantes - sente-se impulsionada, num momento ou outro, a pronunciar uma sentida oração dirigida a Ele. Então, se o rezar é comum às pessoas de todos os credos, o que torna judaica a oração judaica?
Na concepção judaica, rezar não é um modo de vida, senão uma estação no caminho da vida, um momento para se deter e fazer uma avaliação de si mesmo, para consolidar os benefícios espirituais e convertê-los em partes perduráveis e duradouras de si mesmo. Porque a adoração a Deus não se expressa somente mediante rituais, senão também nos níveis éticos e morais em que se situa a própria vida."
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Surgida na década de 1980 com a finalidade de propiciar acesso ao livro judaico de preces aos membros da comunidade judaica brasileira que não dominavam o idioma hebraico, a Editora Sêfer publicou de lá para cá várias versões desse livro, e sempre em três formatos paralelos: hebraico, português e a pronúncia fonética das rezas.
Ato contínuo, reuniu e deu visibilidade e acesso a toda literatura judaica disponível em português, e passou a produzir livros - mais de duzentos! - que incrementassem o conhecimento geral a respeito de todas as diferentes áreas de conhecimento do judaísmo.
A sensação de ´"missão cumprida" ainda não foi atingida. As incessantes e enormes transformações que acometem a sociedade moderna exigem mais. O desconhecimento sobre nós, judeus - quem somos e no que acreditamos -, embora tenha diminuído muito, ainda campeia.
Por isso, às vésperas de completar 35 anos de atividade, decidimos editar e publicar esta breve, mas representativa coletânea de preces judaicas - uma de nossas especialidades - apenas em português, para que a sociedade geral as conheça, utilize e descubra quão parecidos somos todos nós em nossas angústias, incertezas, emoções e aspirações.
Mas a comunidade judaica também tirará proveito dela, pois às vezes nos esquecemos que aquilo que o Altíssimo almeja de nós, além das preces em si, é o nosso "coração" - ou seja, reverência, devoção, sinceridade, fé e esperança.
Que esta seja a Sua vontade, Amém.
Jairo Fridlin