A jovem mulher com o rosto transtornado estava no fim da fila daqueles que aguardavam para conversar comigo. Parecia que ela queria ser a última. Com toda a certeza, quando chegasse a sua vez, a sala estaria praticamente vazia.
“Rabino”, ela começou com um suspiro, “eu preciso falar com você.” Todo o modo de ela se comportar denotava dor, e eu a convidei para se sentar; então ela descarregou sua história.
Após muitas tentativas para engravidar e depois de muitos fracassos, ela finalmente dera à luz uma menina. Seus olhos se encheram de lágrimas enquanto ela descrevia a sua alegria e a dor subseqüente ao se dar conta de que a criança tinha vários defeitos congênitos. Ela veio me falar sobre as desesperadas tentativas para salvar a vida da criança, que no final das contas fracassaram. Seu bebê morreu.
“Na ocasião, alguém me deu este livro.” Ela exibiu um exemplar de Quando Coisas Ruins Acontecem às Pessoas Boas (Editora Nobel), o best-seller de Harold S. Kushner. “Ele me trouxe muito conforto. Ele me deu a certeza de que o que aconteceu não foi por minha culpa – que Deus não castigou a mim ou ao meu bebê.”
Ela fez uma pausa. “Mas agora isso me dá pesadelos.”
Enquanto ela respirava profundamente, antecipei o que estava por vir. Eu já tinha ouvido isso antes.
“Hoje eu tenho dois filhos saudáveis. Estamos muito contentes. Mas agora, a cada instante, eu fico esperando que algo terrível aconteça. Se Deus não dirige o mundo como este livro diz...”, a voz dela embargou e ela sentiu dificuldade em se recompor. “Rabino, eu não sei no que acreditar. Por favor, me ajude a entender o sentido de tudo isso!”
Quantas vezes haviam me feito exatamente aquele mesmo pedido! Em minhas quase 4 décadas como rabino, com certeza nenhum outro problema foi levado a mim com tanta frequência quanto este: Por que sofremos? Por que morremos? Por que o meu filho? Por que a minha mãe? Por que eu?
Desde o aparecimento do agora mundialmente famoso livro Quando Coisas Ruins Acontecem às Pessoas Boas’ um incontável número de pessoas me pediu para explicar: Deus dirige o mundo ou não? Coisas ruins acontecem fortuitamente, como sustenta Kushner, ou há um plano e um desígnio para os eventos de nossas vidas?
Kushner, um rabino do Movimento Conservador, escrevera o livro como resultado da morte trágica do seu jovem filho. Nele, tentou compreender o sentido da terrível doença do pequeno menino e do seu próprio sofrimento. Em sua autorreflexão, ele concluiu que havia sido uma pessoa boa, e nem ele nem seu filho haviam merecido aquela dor. Isto fez com que ele se confrontasse com um dilema terrível – se Deus desejara que isto acontecesse, Deus poderia ser bom? Kushner decidiu que Deus tinha que ser bom. Portanto, argumentou, uma coisa assim tão terrível só poderia ter acontecido a uma pessoa boa se o bom Deus tivesse sido impotente para evitá-la. Coisas ruins acontecem às pessoas boas porque Deus não está no controle do mundo.
Em sua conclusão, Kushner se afastou de uns 3.000 anos de ensinamentos judaicos. Além disso, ele deixou claro que intitulou inten-cionalmente o seu livro de Quando Coisas Ruins Acontecem às Pessoas Boas’ e não de Por Que Coisas Ruins Acontecem às Pessoas Boas?.’Ele tem afirmado frequentemente – em seu livro e em suas conferências públicas – que somente está interessado no resultado: Quando acontece, o que você faz? Como você se recupera disto? O porquê é irrelevante e impossível de responder.
Sem dúvida, muitas pessoas encontraram consolo no livro de Kushner. Todavia, ao longo dos anos desde a sua publicação – ele ainda é impresso e largamente lido –, eu conheci um sem-número de indivíduos para quem esta abordagem está longe de ser satisfatória. Inicialmente, a sua idéia – de que Deus não dirige o mundo e que as coisas ruins não fazem parte do Seu plano – pode parecer atraente. Afinal de contas, isto nos permite acreditar que nós não somos responsáveis por aquilo que nos acontece; não carregamos qualquer fardo de culpa. Nós certamente não podemos nos culpar por nosso sofrimento, se até mesmo Deus é incapaz de tornar nossas vidas um pouco melhor.
Mas, no fim, o sentimento de que o mundo está girando descontrolado nos deixa mais amedrontados do que antes. Nada importa. Não há um plano. O afortunado vence; o azarado perece. Trata-se de uma visão obscura e anárquica na qual a maioria das pessoas reconhece intuitiva-mente que não podem aceitar. Suas almas lhes falam que isso simplesmente não é verdade.
Não importa o quão cruel a vida possa parecer, as pessoas ainda sabem de alguma maneira que Deus tem poder ilimitado – caso contrário Ele não seria Deus. Ele está no controle do mundo. “Então, por quê?” – as pessoas se questionam legitimamente. Por que o mundo parece tão terrível? Se Deus é bom, por que a vida é tão ruim?
Felizmente, os antigos ensinamentos judaicos oferecem respostas. Afinal de contas, parece razoável que o povo mais perseguido do mundo deva ter os maiores especialistas em lidar com o problema do sofrimento. Os judeus têm sido afligidos, brutalizados, torturados e insultados ao longo dos tempos. Eles têm motivos para fazer esta pergunta mais do que qualquer outro povo. E foi o próprio Deus que ouviu o seu clamor e lhes deu a resposta por meio dos ensinamentos da Torá, bem como pelos escritos dos profetas e sábios.
Não, as respostas não são simples. Nada tão desconcertante assim pode ser solucionado com uma explicação superficial. De fato, há muitas respostas, não apenas uma, e muitas podem se aplicar a diferentes situações. As variáveis são infinitas; a combinação de possibilidades é quase ilimitada.
Todavia, eu acredito que o que você vai ler fará sentido para qualquer coração receptivo. Este livro emergiu de uma série de conferências que foram excepcionalmente bem recebidas. Em uma delas, um homem resumiu seus sentimentos ao dizer: “O que você fez por mim foi mais do que me fazer entender minhas dificuldades com maior clareza; você também me deu um remédio poderoso para minha alma.”
Com toda honestidade, falar deste assunto não foi fácil. Certamente posso dizer que este foi o mais difícil de todos os temas com o qual eu já lidei em minhas conferências. Então, quando me sentei para escrever sobre isto, tive que fazer uma extensa reflexão de alma antes de enfrentar a tarefa. Eu percebo que, felizmente, fui poupado de maiores tragédias durante a minha vida. Embora eu tenha tido que lidar com as mortes do meu pai e da minha mãe, ambos faleceram com idades relativamente avançadas. O resto da minha família, minha esposa e filhos, são felizes e saudáveis. Algumas pessoas poderiam dizer: “Você não vivenciou sofrimento de fato. Você realmente não sabe o que é isso.”
Há um pouco de verdade nisso. Entretanto, não tive a intenção de fazer deste um livro de auto-ajuda escrito por um sobrevivente, para aqueles que sofrem devido à perda de um ente querido ou que estejam enfrentando alguma doença grave. Em vez disso, escrevi este livro como uma compilação da sabedoria judaica sobre este assunto. Ao absorver as perspicácias dos grandes sábios do nosso passado – entre eles incontáveis vítimas de sofrimento incomparável, que foram, não obstante, capazes de sobrepujar suas provações ao mesmo tempo que mantiveram sua fé –, eu sinto uma necessidade enorme de transmitir o que eles têm para nos ensinar. O entendimento deles pode transformar nossas vidas. Suas observações podem tornar nossa dor suportável. Porque a coisa mais difícil de aceitar quando somos colocados para baixo por uma tragédia é que a vida, quando tudo foi dito e feito, não faz sentido. E o que os sábios de tempos antigos alcançaram com seu brilhantismo foi restabelecer nossa capacidade de acreditar em um mundo racional, mesmo quando este parece dolorosamente irracional.
O que eu vou compartilhar com vocês são os frutos de milhares de anos de debate, reflexão e conflito espiritual.
Dito isto, deixem-me esclarecer as fontes que usei.
Basicamente, o material que eu examino aqui vem do Talmud. O Talmud é uma grande obra de mais de 60 volumes que expõe o comentário judaico a respeito do texto principal, a Torá (os Cinco Livros de Moisés), que se acredita ser a palavra de Deus. Além disso, o Talmud apresenta as lições do Midrash, uma forma de ensinar profundas lições por meio de histórias, ilustrações e parábolas.
É muito fácil contar uma história; é uma maneira divertida e atraente de ensinar. Os estudantes de então podiam compreender verdades de difícil entendimento por meio da moral das histórias que ouviam. Mais tarde, depois que a arte de contar histórias caiu em desuso, filósofos judeus – tais como o famoso Maimônides – passaram a falar em condições mais abstratas. Qual modo de ensinar está mais correto? – Aquele que transmitir melhor a essência para o estudante, e cada estudante é diferente. Neste livro faremos uso de ambos, porque cada um tem seu lugar.
Finalmente, gostaria de destacar que, embora o tema da morte e do sofrimento possam parecer depressivos, ao longo dos séculos os judeus – por mais estranho que isso possa parecer – têm considerado isto algo louvável e inspirador. O judaísmo é uma religião cuja principal oração de luto é um poema – não de lamento ou de tristeza, mas de louvor a Deus. Os judeus enlutados recitam uma oração conhecida como Cadish depois da morte de um ente querido. Ela começa assim: “Que o Seu grande Nome seja exaltado e santificado no mundo que Ele criou conforme Sua vontade.”
Ao ouvir essa oração em um funeral, um participante não-judeu certa vez me fez uma relevante observação: “Se os judeus podem louvar a Deus até mesmo na presença da morte, eles devem saber algo que o resto do mundo não sabe.”
É verdade. O judaísmo antigo nos ensina como reconhecer o grande nome de Deus e o Seu amor por nós até mesmo nos momentos mais terríveis. Este afirma que há respostas ricas e inspiradoras à derradeira questão: Se Deus é bom, por que a vida é tão ruim?
Junte-se a mim ao iniciarmos a mais importante jornada espiritual que existe – a busca pela serenidade em face da adversidade. E saiba que na sabedoria acumulada ao longo das épocas há uma solução, testada pelo tempo, para transformar desespero em esperança e pesar em fé em um mundo melhor.