Índice
Prefácio
A erva amarga
1 - Uma Questão de Fé
2 - A Visão da Torá sobre o Sofrimento
3 - Um Ensinamento Nascido das Lágrimas
4 - Jardim das Almas
5 - Insights
6 - Outros Ensinamentos
7 - Preces
* * *
Excertos
Capítulo 5: Insights
1
É somente fechando nossos olhos
completamente para esse mundo e
olhando para o propósito eterno e final que podemos anular todo o sofrimento
e chegar a uma oração perfeita.
Os rabinos nos ensinaram a dizer que “Tudo o que o Misericordioso faz é para o bem”. Mas, se tudo o que Deus faz com um indivíduo é para o bem dele, e se a dor e o sofrimento são grandes favores que o ajudam a alcançar a vida eterna, então por que somos ordenados a rezar quando estamos com problemas?
Certamente tudo o que Deus faz com uma pessoa é para o bem, mas mesmo assim deve-se rezar e implorar a Ele por alívio do sofrimento. Para entender o por quê, primeiro devemos reconhecer que o principal objetivo da criação do mundo é o homem, a quem foi dado o livre-arbítrio. Deus colocou tudo em nossas mãos, para que nós mesmos fizéssemos os recipientes por meio dos quais o amor Divino e suas bênçãos pudessem afluir para este mundo.
Um recipiente é utilizado para guardar algo e passar adiante para outra pessoa. Na literatura cabalista, os ensinamentos de Torá, as orações, as mitsvót e as boas ações são denominadas recipientes – canais limitados pelos quais a Luz Infinita de Deus pode ser revelada neste mundo. Enquanto nós não prepararmos esses recipientes aqui embaixo, a bondade Divina não pode afluir de cima até nós, pois, nesse caso, ela viria em excesso – assim como o óleo que, em demasia, apaga uma lâmpada. A bondade se tornaria então severidade, Deus nos livre.
Os recipientes para receber a bondade de Deus são preparados por meio do estudo da Torá e da reza, especialmente a reza. Assim, antes da criação do homem, “toda planta do campo antes que houvesse na terra e toda erva do campo antes que germinasse, porque não tinha feito chover o Eterno Deus sobre a terra e o homem não existia para cultivar a terra.” (Gênesis 2:5) Rashi explica que o homem ainda não estava lá para rezar [por chuvas] – as suas orações eram necessárias para iniciar a corrente de bênção Divina.
Assim, antes da oração de uma pessoa, tudo o que lhe acontece, mesmo o sofrimento, é para seu bem. O sofrimento pelo qual ela passa é, na verdade, uma expressão do amor de Deus, já que, dado o comportamento mundano do homem, não há outra maneira da bênção e da vida descerem até ele em seu estágio de desenvolvimento. Se fôssemos abençoados com bondade pura e sem limites, a luz seria excessiva e faria mais mal do que bem.
Por meio da reza, nós adoçamos os julgamentos Divinos que restringem o fluxo de bondade e preparamos os recipientes por meio dos quais poderemos receber a bondade de Deus. Então somos capazes de anular os julgamentos severos, já que passamos a ter os recipientes para receber a bondade infinita de Deus sem termos que passar por sofrimentos.
Para prepararmos os recipientes, o primeiro estágio é elevar nossos olhos para o objetivo final, onde tudo é bom, e fazer de todas as nossas rezas uma unidade. É somente depois de nos cercarmos de bitul diante do propósito final, de sabermos e acreditarmos que tudo é para o bem, que podemos rezar para tudo aquilo que precisamos. A razão disso é que os recipientes com os quais recebemos as inúmeras bênçãos de Deus – filhos, saúde, riqueza, etc –, na verdade, são formados a partir da luz do resquício da experiência de bitul que permanece depois do retorno ao estado normal de consciência. Se tivermos preparados os recipientes com os quais receberemos a bondade e bênção de Deus, dali em diante tudo é para o bem.
É isso que o Rebe Nachman quer dizer quando afirma que, depois de retornarmos do estado de bitul, saciamos a sede da alma causada pelo sofrimento por meio da Torá que recebemos desse resquício. E, na verdade, essa Torá vem até nós por meio da oração. Esse é o ponto mencionado diversas vezes pelo Rebe – cf. Licutê Moharan I:8 e I:19 – e que também é evidente aqui. O Rebe fala primeiramente sobre como transformar as orações em uma unidade por meio da contemplação da meta final, e depois conclui que é por meio dessa contemplação que adquirimos a Torá do resquício de bitul.
O fato é que a reza e o entendimento da Torá são dependentes um do outro. Nós nos conectamos ao resquício do bitul por meio da oração. E, assim, nós trazemos das alturas a fonte de luz que depois se expande dentro de nós na forma de um entendimento profundo da Torá e com o qual amenizamos nosso sofrimento. Pois é por meio da oração e da Torá que criamos os recipientes com os quais recebemos o influxo de bênçãos de Deus – para o bem, a eternidade e a vida, e não para o mal e para a morte.
Nós somente podemos aprender como rezar por meio dos verdadeiros tsadikim. Do mesmo modo, nossos sábios disseram que qualquer pessoa que tenha alguém doente em casa deve ir a um tsadic. (Talmud, Tratado Baba Batra 116a) O motivo dessa orientação é que só um verdadeiro tsadic – o “mestre do campo” mencionado no ensinamento – sabe como olhar dentro da alma de cada um e ver quão distante o indivíduo se encontra da meta final, até que ponto a sua oração ainda não se consolidou em unidade e o que é necessário fazer para trazê-lo até o objetivo final.
2
Quando alguém passa por uma dor
muito forte, seu reflexo natural
é fechar seus olhos firmemente.
Fechar os olhos no momento de dor é algo temporário e somente um dos aspectos de bitul. É preciso um grande mérito para ser capaz de alcançar um verdadeiro bitul por meio do sofrimento. O Rebe ressalta isso quando afirma que um maior entendimento de Torá é sinal de que o indivíduo soube lidar com seus sofrimentos de maneira apropriada. Daqui pode-se entender que nem todos alcançam um bitul completo por meio do sofrimento, somente os tsadikim e os indivíduos puros. É necessário ser muito forte e persistente e implorar que Deus o ajude a se entregar a Ele por meio do sofrimento.
* * *
Capítulo 7: Preces
Ajuda-nos a escapar
de nosso sofrimento
Santíssimo! Por favor, afaste-me dos problemas e sofrimentos e esteja constantemente comigo em todas as ocasiões. E, caso a Tua justiça e bondade Divinas exijam que me envies sofrimentos, auxilia-me ao mesmo tempo, concedendo-me força e compreensão para olhar para o propósito benéfico do sofrimento. Permita-me unir-me totalmente e genuinamente a Ti no momento de dor, bem como anular-me e fechar totalmente meus olhos para os desejos deste mundo, até que eu consiga ver à distância e avistar o verdadeiro objetivo, o objetivo eterno. Permita que o sofrimento traga-me essa visão e, com isso, faça com que ele desapareça completamente.
Deus Misericordioso, o Senhor conhece a dor do meu coração e da minha alma. Tu sabes o quanto eu pequei com os meus olhos – meus olhos físicos, e os olhos do meu intelecto. Eu olhei para coisas proibidas e causei grande dano aos meus olhos. E tudo isso causou enorme perda à minha alma. Permiti que os piores pensamentos adentrassem minha mente, e deixei-me levar para bem longe dos limites da santidade – em todas as direções. Eu me aprofundei em assuntos muito superiores ao meu nível enquanto, ao mesmo tempo, admiti que os pensamentos e sentimentos mais vis adentrassem em minha mente. Pelo canto dos meus olhos olhei muito além dos limites da santidade. E, mais uma vez, e de novo, eu parei deliberadamente de pensar em Ti e na Tua sagrada Torá. Fiz isso centenas e centenas e centenas de incontáveis vezes, o hábito passou a ser minha segunda natureza.
Salva-me de mim mesmo!
Minha mente e minha alma estão muito comprometidas, pois perdi o poder da fala santificada. Considero impossível dirigir-me a Ti, não sei como apresentar minhas preces diante de Ti. E eu ainda não me arrependi totalmente dessas minhas falhas. Estou tão fraco espiritualmente que não encontro nenhum caminho de volta até Ti. Sinto-me tão distante de Ti, e minha mente encontra-se tão confusa! Sou perseguido por dentro e por fora – por mim mesmo e por todos os meus inimigos e adversários, tanto material quanto espiritualmente, incontáveis inimigos –, e por todo tipo de pessoa: tsadikim, pessoas comuns e pessoas más. “Ó Eterno, tão numerosos são meus adversários! Tantos são os que se levantam contra mim!” (Salmos 3:2)
Tenha pena de mim, um simples verme que sou! Sou tão falho e corrompido! Não há figura adequada para descrever todas as minhas falhas e culpas, a fraqueza de minhas mãos, a confusão de minha mente, a dor de meu coração, a aflição de minha alma e o terrível sofrimento físico e espiritual pelo qual estou passando.
Tu nos advertiste a fechar completamente os olhos para este mundo, mas nós nos rebelamos e fomos ao extremo oposto: desperdiçamos todo o nosso tempo atrás do vazio e do orgulho deste mundo inferior. Não temos descanso de dia, e mesmo pela noite nunca paramos de pensar nos assuntos terrenos. Habituamos-nos a usar nossas mentes somente para pensar em como nos sustentar e para perseguir as vaidades mundanas deste mundo – gratificações materiais, status, e outros desejos. Deixamos de lado o verdadeiro objetivo da vida e nossos hábitos se tornaram tão ingratos que mesmo quando desejamos pensar naquilo que nos acontecerá no final, quando queremos contemplar o verdadeiro propósito da vida, achamos impossível fazê-lo. Não conseguimos focar nossas mentes na verdadeira finalidade nem mesmo por um momento. Mesmo quando tentamos estudar Torá e rezar, nossos pensamentos voam em todas as direções, e nos distraímos completamente com preocupações externas.