O assunto da constante presença
Divina neste mundo é de suma importância para o cotidiano da vida judaica, pois
o cumprimento das mitsvót só atinge o seu ponto sublime se estamos ligados a
este conceito.
Da mesma forma que existem
vários níveis de como se cumprir os mandamentos da Torá, também com relação à
consciência da presença Divina há vários níveis até que realmente seja possível
se sentir a presença Divina em tudo o que fazemos, desde o levantar até o deitar.
No Shulchan Aruch, o código
judaico de leis, o Rabino Moshe Isserlis, conhecido como Remá, inicia seu
comentário com este assunto, e diz: "Shiviti Hashem lenegdi
tamid" - "E habitarei com Deus em todos os momentos da minha
vida" é um conceito básico da nossa Torá."
Em geral, as pessoas buscam em suas ações o objetivo das
mesmas. "Por que estou agindo dessa forma e não de outra?" "Por
que devo acender as velas de Shabat?" Ou "Por que devo colocar os
Tefilin?", mas o principal de todos os motivos é: o que você realmente
está buscando com suas perguntas? Devemos questionar, mas devemos também
aprender a ouvir e a respeitar as respostas.
O Criador nos brindou com um
alto nível de senso crítico, e isso não foi por acaso. Cada um deve usá-lo para
realmente investigar dentro do seu coração o objetivo de suas ações e feitos.
Encontramos
na Torá mandamentos que não possuem motivos racionais, como, por exemplo, a
mitsvá de Shaatnez, na qual somos ordenados a não misturar lã e linho numa
mesma trama de tecido. Mesmo nesses casos em que, aparentemente, não há um
motivo, não somos proibidos de questionar. Pelo contrário! Essa busca
representa exatamente o trabalho espiritual que cada judeu deve fazer, ou seja,
de enfrentar suas questões e buscar o entendimento pleno de cada mitsvá, sempre
respeitando os limites intelectuais que a Torá estipulou para cada uma delas.
Aparentemente,
não podemos comparar a mitsvá de salvar uma vida com a mitsvá de Shaatnez, pois
salvar uma vida faz parte das nossas atribuições como ser humano e de ter
compaixão pelo próximo, algo que dificilmente é questionável. Mas saiba que até
mesmo estes valores universais também são questionáveis quando estão em
conflito com os nossos sentimentos. Por exemplo, você salvaria a vida de um
assassino? Certamente não há unanimidade na resposta.
Tudo é questionável, mesmo as
coisas mais óbvias. Outro exemplo disso é o nazismo, quando valores “inquestionáveis”,
como o respeito ao ser humano, foram violados e justificados por milhões de
pessoas. Eu pergunto a mim mesmo: como pode ser que pessoas matem pessoas?
Por isso, a
importância da consciência Divina ou a consciência plena da presença do Criador
no universo é a base fundamental para que um ser humano saudável possa medir
todas as suas ações na balança da Justiça e da Verdade. A Torá revela no homem
o seu potencial maior como ser humano, como alguém que possa coexistir e
respeitar o próximo e, ao mesmo tempo, sustentar o mundo.
Esse é o motivo de todas as
mitsvót: estar sempre na presença Divina, como disse o rei David: "Em toda
a minha vida pedi somente uma coisa: habitar na casa de Deus!"
Suportar a dor e o
sofrimento
Para tanto, o primeiro passo é ter plena
consciência de que tudo vem do Criador; mesmo um pequeno espetar de alfinete
vem dos Céus. Mas, por que a dor? A dor, de acordo à medicina, é um ótimo sinal
que o corpo possui para nos avisar de que algo não está bem. Por exemplo:
alguém que sente dor de dente deve estar com alguma cárie. É graças a essa dor
que podemos tratar o problema o quanto antes. Imagine que, se as pessoas não
sentissem dor ao se cortar, talvez corressem perigo de vida num simples corte
no dedo! Aliás, existem algumas doenças que causam a perda da sensibilidade em
partes do corpo, o que gera um enorme risco de vida.
No mundo espiritual, a dor
também é um bom sinal; ela nos indica que devemos prestar atenção em algo que
não está bem e que devemos verificar em nossas ações aonde devemos melhorar. O
sofrimento também pode abater alguém que está aparentemente saudável. Por
exemplo, quando alguém da nossa família está doente, mesmo que a dor não seja
no nosso corpo, compartilhamos esse sofrimento juntos. Da mesma forma, uma
pessoa justa sofre neste mundo mesmo que não tenha qualquer iniquidade em seus
atos.
Devemos sempre ter a consciência
Divina no momento de aperto, pois isso revela a ligação que temos com o Criador
e nos faz lembra o quanto somos frágeis. Neste momento, suplicamos por cura e
piedade, e pedimos perdão por nossos atos.
Nesta brilhante obra, o Ramchal
revela, sem sombra de dúvida, sua profunda sabedoria. Conceitos básicos sobre o
judaísmo são tratados de forma concisa e, ao mesmo tempo, profunda. O Ramchal
conseguiu explicar em “Dáat Tevunot” porque um mais um é igual a dois. Após sua
leitura, você, leitor, verá o mundo por um prisma completamente renovado.
Imagine-se apreciando uma obra de arte, mas entendendo realmente o que é arte!
Nesta grande obra, o autor trouxe à tona a verdadeira forma de apreciar a maior
de todas as obras de arte - o nosso Universo.
"A Sabedoria da Alma"
não é um livro somente de leitura, mas, sim, um livro de estudo no qual é
importante reler os conceitos algumas vezes, até que você interiorize seus
ensinamentos, pois há nele muitos conceitos da Cabalá e da filosofia judaica.
Sobre o Autor
Por ocasião da publicação do livro "O Caminho
dos Justos", o Rabino Raphael Shammah escreveu um lindo texto sobre ele, e
aqui o reproduzimos:
O Rabino Moshe Chaim Luzzatto, o
"Ramchal", assim conhecido por suas iniciais em hebraico, foi uma das
figuras mais extraordinárias da nossa história. Nascido em Pádua, na Itália, em
1707, revelou ainda criança sua verdadeira genialidade no estudo da Torá. Aos
11 anos de idade, já dominava totalmente o Talmud e, aos 14, escreveu o livro
"Leshon Limudim". Também muito jovem, exatamente aos 13 anos,
mergulhou no estudo da Cabalá a partir das obras do Ari za”l, e seu talento fez
com que se tornasse um dos grandes cabalistas de todos os tempos.
Como havia
ocorrido séculos antes com Maimônides, também o Ramchal foi um dos eruditos
mais polêmicos e discutidos de sua geração. Sua extrema capacidade,
especialmente no campo do misticismo judaico, chegou a levantar desconfiança
entre os estudiosos, pois vivia-se a época posterior à dos falsos messias -
Reuveni na Itália e Shabtai Tsvi na Europa Oriental - e as desastrosas
deturpações espirituais que produziram ainda traziam à tona a profunda cautela
da comunidade rabínica.
O Ramchal integrava o grupo
erudito "Mevakshei Hashem", de Pádua, que se dedicava ao serviço
Divino e ao estudo da Cabalá. Neste ambiente estimulante, escreveu livros não
só defendendo o estudo do misticismo judaico, mas também obras como "Adir
Bamarom" e "Dáat Tevunot", que abordam os mistérios da
Providência Divina, da salvação e dos Meshichim.
[A primeira
edição do "Dáat Tevunot" foi publicada em Varsóvia em 5649 (1888)
pelo Rabino Shmuel Luria sob o título de "Maamar Havícuach" (Édito da
Discussão). (RCVP)]
A natureza inovadora e rica de
seu trabalho levou outro membro do grupo a mencioná-lo, talvez de modo algo descuidado,
em uma carta enviada a um sábio de Vilna, o Rabino Mordechai Yafe. O Rabino
Moshe Haguiz, de Altuna, outro famoso sábio da época escreveu aos sábios de
Veneza, exigindo que acabassem com os "perigosos" Mevakshei Hashem e,
também, aos rabinos de Ancona, para que investigassem o Ramchal "da cabeça
aos pés", pois havia sido informado de que ele, o Ramchal, receberia
mensagens de um Maguid (anjo) que, por sua vez, lhe revelaria segredos
místicos.
As cartas fizeram com que os
líderes religiosos italianos se dirigissem ao mestre do Ramchal, o Rabino
Yaacob Bassan, pedindo-lhe que limitasse as atividades de seu jovem e brilhante
discípulo. Em consequência, o Rabino Moshe Chaim Luzzatto foi obrigado a
assinar um documento permitindo que seus trabalhos fossem escondidos e
comprometendo-se a "parar de estudar com o Maguid".
Não foi o bastante. As sanções
da comunidade rabínica local contra o Ramchal continuaram até tornarem-no
objeto de um Cherem, ou carta de excomunhão. Nesta situação dolorosa e injusta,
ele deixou Pádua e seguiu para Amsterdã, esperando encontrar um ambiente
receptivo às suas ideias e ao seu trabalho. Apenas mais tarde se tornaria claro
que o alto rabinato da Itália e de alguns outros países europeus havia se
deixado tomar pelo medo frente à postura inovadora do Ramchal, e que, na
verdade, era um ilustre estudioso que viria a iluminar o caminho de gerações
futuras.
Dentro do contexto religioso da
época, não é impossível compreender-se as razões que determinaram intolerância
e medidas extremadas contra o Ramchal. O risco da difusão de um misticismo
pernicioso supostamente “judaico” ainda tumultuava os meios rabínicos. Mas, com
o tempo, a verdade emergiu mais forte do que nunca, e o Ramchal foi consagrado
como um dos sábios mais importantes de todas as gerações. Seus livros são
tratados até hoje como fontes de referência no estudo da nossa Torá.
Como muitos dos líderes da nossa
história, o Ramchal acalentava o sonho de morar na Terra de Israel, para poder
se aproximar ainda mais de Deus. E assim fez, indo morar na cidade de Aco.
Porém, três anos depois de sua chegada, faleceu precocemente aos 39 anos de
idade, sendo enterrado na cidade de Tiberíades, ao lado do túmulo de Rabi
Akiva. (RRS)
Sobre o Título
O título desta obra em hebraico é praticamente
intraduzível. Em português, optamos por "A Sabedoria da Alma" porque
ele faz referência à sabedoria que a razão (identificada com o intelecto)
elucida e evidencia para a alma (identificada com o sentimento), tornando esse
conhecimento mais consciente e revelado a ela.
Notas (identificadas com a
abreviação RCVP) e subtítulos foram acrescentados nesta edição, a fim de
facilitar a leitura e o entendimento de certas passagens e, assim, possibilitar
ao leitor que acompanhasse a linha de pensamento do autor, pois o livro foi
estruturado em forma de diálogo entre a Alma (sentimento) e o Intelecto como
expressão da idéia de união entre corpo e alma no serviço Divino.
A edição em hebraico utilizada
foi a do Rabino Chaim Friedlander ZT"L, sem a qual jamais teríamos o
completo entendimento desta obra. Em sua homenagem citamos um pequeno trecho de
sua introdução:
O Rabino Eliyáhu Eliezer
Dessler, autor do livro "Michtav Meeliyáhu" [um resumo do mesmo foi
publicado em português sob o título "Em Busca da Verdade" pela
Editora Sêfer - RCVP], tendo verificado constarem deste livro os fundamentos da
forma de pensar caracteristicamente judaica, afirmou: "Considero seu
conteúdo consistente e a apresentação, completa em todos os seus detalhes."
Quatro dentre os Treze
Princípios da Fé Judaica são nele comentados e explicações de cristalina
clareza são apresentadas:
1. A atuação Divina regendo os acontecimentos
2. A relação entre recompensa e castigo
3. A vinda do Mashíach
4. A ressurreição dos mortos
Agradecimentos
Gostaria de expressar meus sinceros agradecimentos
àqueles que colaboraram neste
trabalho. Primeiramente, ao colega Rabino Elimelech Katz, por suas felizes
observações e importantes conselhos; ao Prof. Jairo Fridlin, por seu entusiasmo
em publicar mais um livro de Torá para a comunidade de língua portuguesa; ao
Rabino Raphael Shammah, Rosh Yeshiva e diretor do Or Israel College, por seus
ensinamentos e por seu exemplo de vida e de dedicação ao povo judeu; e à minha
querida esposa, Adriana, o pilar de nosso lar, pelo apoio em todos os sentidos.
Por fim, agradeço ao Criador por ter me
proporcionado a oportunidade de estudar a Torá e trilhar este caminho.
"Tov lehodot lashem" - "Como é bom louvar o Eterno!"
Rabino Chaim Vital Passy