Os ensaios que compõem este livro reúnem o sabor caseiro das histórias familiares, as reminiscências de uma infância num bairro em que o idioma iídiche estava nas conversas dos imigrantes, antigos e recentes, nos negócios, nos jornais, até na cadeira do barbeiro imigrante português. A informalidade da língua que para Shmulik era literalmente mameloshn (língua materna) só se tornou muito mais tarde um objeto de estudo, ainda que a memória e a busca do primeiro livro da infância, Dos yingele mitn ringele (O menininho com o anelzinho), com a qual ele mostra uma enorme identificação, tenha acompanhado sua trajetória.
Soma-se a esses relatos cheios de afeto a verve de pesquisador, trazendo para seus textos as variadas leituras dos estudiosos da história do yiddish e da vida dos judeus ashkenazi. Com uma volumosa imprensa, sua riquíssima literatura, produção teatral e musical, se a ascensão e queda da moderna literatura yiddish laica durou cento e cinquenta anos, como Shmulik defende em seu texto, o universo histórico e o contexto político dessa produção são muito mais amplos. E ele faz questão de nos apresentar essa intrincada história, cheia de idas e vindas nas fronteiras e nos impérios dominantes.
Grande parte do livro é dedicada a compartilhar alguns aspectos de leituras de alguns dos principais autores da língua yiddish. Aqui, Shmulik nos oferece inspirações de suas interpretações literárias, um convite para nos aproximarmos ainda mais desses gigantes da literatura. Nesse percurso, marcam presença Sholem Aleichem e I. L. Peretz, clássicos, e Isaac Bashevis Singer, Prêmio Nobel de literatura, autores com lugar garantido. Somam-se a eles figuras menos conhecidas, apesar de sua ampla produção, como David Bergelson, Chaim Grade e o gigante Avrom Sutzkever. E pérolas como as obras de Bella Chagall e contos de Chaim Rapoport, um dos muitos autores que escreveram em yiddish no Brasil.
Nesse errático percurso de reflexão sobre autores que escreveram em distintas localidades, Shmulik nos oferece uma síntese instigante de seu próprio percurso, parte dele trilhado coletivamente, nos encontros mensais da Yiddishe Trupe. Caminhos sinuosos, mas pavimentados de riquezas, num momento em que a consciência do valor político da herança cultural legada pelo yiddish tem se ampliado. Esta é a cena em que se insere esse livro. Vale a pena perder-se atrás do anelzinho, por meio das pedrinhas que Shmulik deixou à vista no caminho.
Lilian Starobinas