Introdução
Gostaria de compartilhar uma linda e inspiradora parábola chamada "O homem que se penitenciava demais":
"Aconteceu, certa vez, em uma sinagoga, que o rabino percebeu que, ao serem pronunciadas por todos as palavras da confissão coletiva de erros (pecados) cometidos, havia um homem que, quando todos terminavam, continuava por mais três vezes a bater no peito, como se tivesse mais alguns erros de que se penitenciar.
Achando estranho aquele procedimento, aproximou-se daquele homem após o término das orações e lhe perguntou:
"Não são suficientes os erros citados em nossa prece coletiva? Você tem mais alguns a acrescentar?"
Recebeu uma resposta muito estranha:
"Preciso pedir perdão pelos pecados de Moisés, David e Shamai."
" Quem é você", perguntou o rabino, "para pedir perdão por eventuais erros do nosso mestre Moisés, do nosso rei David e do nosso sábio Shamai?"
"Vou lhe explicar", respondeu o interpelado.
"O pecado de Moisés ocorreu quando o Eterno lhe ordenou 'falar' com uma rocha, para que dela jorrasse água a fim de apaziguar a sede do povo, e ele, em vez disso, bateu na rocha com seu bastão. O erro não foi ter batido e, sim, não ter feito antes uma berachá (bênção), na qual deveria dizer: 'Bendito seja Aquele que colocou nesta rocha a água que um dia haveria de satisfazer a ânsia de um povo sedento.' Não tendo feito a berachá, deu margem a que o povo pensasse que a água não era uma dádiva Divina e, sim, a consequência de Moisés ter batido na rocha.
Da mesma forma, ao conseguir sucesso em algo pelo qual venho batalhando, eu não me lembro de glorificar o Eterno por isso, e dou a todos a impressão de que foram meus méritos pessoais que me permitiram alcançar aquele resultado.
Por isso, tenho de pedir perdão por esse pecado.
Quanto ao pecado de David, ele foi praticado quando, ao desejar Bat-Shéva para si, ele ordenou a seu marido, Urias, que fosse para uma posição na batalha onde certamente seria morto.
Como rei, David tinha o poder de encaminhar seus súditos às posições de batalha onde fossem necessários. Porém, enquanto rei, tinha o dever de tudo fazer para preservar a vida de cada súdito. Dessa forma, ele colocou seu 'poder' acima do seu 'dever'.
Quantas vezes, nos cargos que tenho ocupado, não ajo da mesma forma, colocando o poder do qual sou revestido acima do dever de tratar apropriadamente cada um dos meus funcionários?!
Por isso, tenho de pedir perdão pelo pecado de David.
Quanto ao pecado de Shamai, ele ocorreu quando um idólatra o procurou, dizendo: 'Explica-me o que é o judaísmo enquanto eu me equilibro numa perna só.' Shamai simplesmente o enxotou.
Quando esse mesmo idólatra propôs a mesma questão a Hilel, recebeu dele a seguinte resposta: 'Não faças aos outros aquilo que não queres que façam a ti. Isto é o principal e tudo o mais é comentário. Agora vai e estuda.'
Quantas vezes não me falta a sensibilidade para atender e orientar alguém que me questiona na busca de encontrar um caminho certo?! Ao enxotá-lo, tiro dele a possibilidade de acerto.
Por isso, tenho de pedir perdão por esse pecado."
O rabino não somente concordou como admitiu que, também a ele mesmo, cabia pedir perdão pelos pecados de Moisés, David e Shamai.
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A humildade de reconhecer que erramos com frequência, mesmo querendo ter sempre um comportamento correto, nos faz buscar uma Teshuvá (resposta) à pergunta: "Como e por que erramos?", e esse questionamento nos dá a possibilidade de praticar a Teshuvá (retorno) ao caminho certo."
O autor dessa joia é o meu querido e saudoso mestre David Gorodovits Z"L, que nos deixou às vésperas de Rosh Hashaná, há quase um ano. Graças a seus sábios conselhos, a Editora Sêfer editou obras importantes, muitas traduzidas por ele mesmo com o brilhantismo e a sensibilidade que o caracterizavam, como o Livro dos Salmos, o Tanah Completo (Bíblia Hebraica), O Caminho dos Justos, Ecos do Sinai, Cartas para a Próxima Geração, Sob Tua Luz, Valores Judaicos no Mundo em Transição, Luzes da Torá e a introdução a cada uma das Haftarót da Torá Interpretada.
Para mim, o conselho mais inspirador que dele recebi e que passou a nortear meu trabalho foi o de que eu deixasse um pouco de lado a perfeita literalidade dos textos que eu traduzia e buscasse transmitir aos leitores o sentido dos mesmos, pois só assim lograria sensibilizar os leitores. Do contrário, os textos não atingiriam seus corações e se perderiam como palavras corretas mas ocas de conteúdo.
E a prova de que ele tinha e tem razão são suas magistrais traduções dos Salmos e dos profetas, diferenciadas e inspiradoras, plenas de sentido e emoção.
Que sua doce alma, bem como a de sua amada esposa Augusta Z"L, uma "mulher valorosa" e exemplo mais que perfeito de dedicação e carinho para com todos os seres humanos, que nos deixou apenas três semanas depois da partida dele, continuem a nos iluminar e inspirar.
Esta obra, que deveríamos ter feito juntos - e que de certa forma a fizemos, sim -, é meu singelo preito dedicado à elevação de suas almas.
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A presente obra vem se somar à série de livros de oração judaica sintonizados com a realidade na qual vive a comunidade judaica brasileira.
Tal qual os consagrados Sidur Completo e Machzor Completo, ela visa propiciar ao público a possibilidade de se integrar ativamente aos serviços religiosos nas sinagogas, mesmo aos não letrados no hebraico.
O texto hebraico foi editado por nós numa fonte desenvolvida especialmente para as obras da Editora Sêfer, que permite assinalar várias nuances da gramática hebraica - como a diferenciação gráfica das vogais shevá ná e shevá nach e quando o símbolo camáts tem o som vogal de A ou O -, de modo a permitir uma leitura precisa e correta das rezas, seguindo as propostas de clareza, didática e uniformidade do saudoso Rabino Dr. Shelomo Tal Z"L, a quem reiteramos o nosso preito e admiração. No tocante à versão dos textos em si, buscou-se seguir o seu rito, mas com exceções.
A tradução das tocantes súplicas que compõem esta obra seguem a "receita" do mestre David Z"L e intencionam avivar os sentimentos dos que vierem a declamá-las. Textos difíceis até para quem conhece bem o idioma hebraico, escondem dentro de si profundos pensamentos e lições de humildade, que pregam que purguemos de nós a arrogância e a altivez, assumamos responsabilidade pelos atos que praticamos e busquemos aperfeiçoar nossa conduta, tanto em relação ao Eterno, que nos cobre de bênçãos mas que, ingratamente, não reconhecemos, quanto no trato com nossos semelhantes, cuja conduta exigida é a de "fazer caridade e justiça".
Decidiu-se também destacar detalhes sobre a estrutura dos textos, especialmente daqueles que seguem algum tipo de ordenação alfabética, um fator que ajuda a memorizá-los e melhor entendê-los, bem como a autoria dos mesmos, de modo a nos ligar à corrente histórica do nosso povo e, assim, homenageá-los.
Cabe esclarecer que não foi priorizado o paralelismo exato e rigoroso entre os três tipos de textos - em hebraico, em português e os transliterados -, optando-se por um meio-termo que mantivesse o caráter didático e a melhor fluência dos mesmos.
Outrossim, os textos em português seguem os padrões do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigência a partir de 2009.
Somos imensamente gratos a todos que vêm nos apoiando e incentivando para a criação e produção destes livros, e pedimos ao Todo-Poderoso que os abençoe e os recompense.
Não obstante e humildemente, pedimos que não seja imputado a terceiros os eventuais erros e incorreções deste trabalho, pois estes são de nossa total responsabilidade, mesmo os inconscientes.
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Poética e espiritualmente, os "portões do arrependimento" passam a estar abertos e acessíveis a partir do mês que antecede as Grandes Festas - Rosh Hashaná (Ano Novo) e Iom Kipúr (Dia do Perdão), quando cada um de nós será "julgado" e solicitado a prestar contas sobre a forma como leva a sua vida. O simbolismo disso é que nos é dado um período de tempo generoso para revermos as nossas ações e avaliá-las de acordo com o nosso próprio senso de justiça antes de nos apresentarmos perante o verdadeiro Juiz da humanidade.
As preces aqui contidas podem nos ajudar a examinar os nossos conceitos e, quem sabe, nos apontar onde falhamos e nos desviamos da vereda do bem. De fato, depende apenas de nós e do nosso senso crítico a decisão de retornar aos bons costumes.
Que o Misericordioso nos dê inspiração, coragem e força de vontade de implementá-la e, assim, nos faça retornar a Ele e Ele para nós, para que logremos ser inscritos e selados no Livro do Perdão, da Vida e da Redenção, Amen.
Modiín, Maio de 2024, Iyar de 5784.
JAIRO FRIDLIN