Prefácio dos tradutores
Há muito o mercado editorial brasileiro carece de uma obra em profundidade que analise as origens e a história do Estado de Israel. O livro de Anita Shapira vem preencher essa lacuna e oferecer ao público uma análise que, embora não se aprofunde em cada uma das diversas abordagens possíveis, permite uma visão abrangente do período que vai de 1881 até o ano 2000. O livro é organizado a partir de temas bem definidos, como a cultura, a sociedade e a economia, o que torna a leitura fácil e fluida.
O título do original em hebraico, Um povo como todos os outros, talvez tivesse a pretensão de "normalizar" a história do povo judeu. Mas o resultado vem a ressaltar a sua unicidade.
Outros autores contaram em detalhe essa história, e Shapira optou por partir do primeiro manifesto sionista e as primeiras levas imigratórias para a então Palestina do Império Otomano, início da trajetória que culminaria com a criação do Estado. Apesar de uma abordagem breve daquele período anterior a 1948, esta revela-se fundamental para entender o contexto do projeto nacional proclamado pelos sionistas do fim do século XIX.
O livro propõe uma análise socioeconômica abrangente e, mesmo para os leitores conhecedores do tema, definitivamente conta a história, em sua totalidade e com riqueza de detalhes, até o ano 2000. Aborda questões polêmicas, como a destruição dos vilarejos árabes conquistados durante a guerra de 1948?1949 - dando ampla divulgação aos estudos realizados pelos chamados "novos historiadores", entre os quais Benny Morris -, e apresenta o resultado do conflito à luz do desenho das fronteiras de outros Estados etnicamente homogêneos no período pós-Segunda Guerra Mundial. A autora analisa ainda temas espinhosos como a relação do establishment com as comunidades imigrantes oriundas dos países árabes, as disputas entre as diversas facções políticas da esquerda anterior à ?derrocada? de 1977 e as políticas econômicas vigentes durante as primeiras décadas de existência do Estado.
Como não poderia deixar de ser, parte importante do texto é dedicada aos períodos de conflito entre Israel e os vários países árabes, seja nas guerras formais que envolveram seus vizinhos, seja nos confrontos com os grupos paramilitares baseados além das fronteiras. Shapira ressalta o conceito da "inevitabilidade" das guerras a que o país esteve sujeito até a chamada Primeira Guerra do Líbano e analisa o impacto desses eventos sobre o desenvolvimento da sociedade israelense, especialmente a Guerra dos Seis Dias e a de Outubro de 1973.
Anita Shapira consegue descrever o processo de construção da nação e da sociedade israelense no território designado pela Liga das Nações apontando seus sucessos e seus fracassos, seus desafios e, em alguns casos, sua soberba. Esperamos que este livro possa se tornar a referência que muitas vezes falta para um debate sério e embasado em fontes seguras de informação.
Aqui ainda cabe uma nota específica sobre o processo de tradução. Adotou-se como original a edição em inglês, traduzida do hebraico por Anthony Berris. Sempre que isso acontece, alguns desafios se impõem. Neste caso, foi preciso recorrer ao original em hebraico em diversos momentos, para conseguir chegar a uma melhor solução em português. Portanto, mesmo que a base para a tradução tenha sido o texto em inglês - extremamente bem traduzido, para nossa sorte -, não foram poucos os momentos em que o original em hebraico precisou ser consultado, garantindo assim fidelidade ao texto produzido pela autora.
Debora Fleck
Samuel Feldberg