INTRODUÇÃO
Há muitos anos reflito acerca da sobrevivência milenar do judaísmo. Muitos creem que seja um milagre o fato de um povo minoritário ter sobrevivido séculos na ausência de um Estado nacional, imerso numa maioria muitas vezes hostil à sua existência.
Milagre ou não, trata-se de um fato histórico singular e que deve ter uma explicação multifatorial.
Pensamentos, teorias e discussões históricas devem ser conduzidas, pois a ciência resultante dessa reflexão com certeza é pertinente e nos ajudará, pelo menos em parte, a entender esse fenômeno. Será que a forte ligação dos judeus com o estudo das tradições associada a um antissemitismo perene que lhe circunscreveu e até os isolou do convívio dos não judeus explicam esse fenômeno? Será que "sentir-se judeu" ou identificar-se como tal é suficiente para a perpetuação do judaísmo?
Afinal, não podemos nos eximir de considerar todas essas justificativas como pelo menos tendo um papel para explicar essa sobrevivência milenar do povo judeu.
Neste livro, procurei entender esse fenômeno pelo lado intelectual e emocional. Fala-se com frequência que, para sentir o gosto de uma iguaria judaica como o Gefilte Fish, precisamos saboreá-lo. Não há explicação que substitua prová-lo. Da mesma forma, para entender a sobrevivência milenar judaica, não basta a reflexão; é preciso vivenciá-la, senti-la e emocionar-se por fazer parte dela.
Sempre escrevi para melhor entender a realidade em que vivo. Mas confesso que, aqui, esbarrei em um obstáculo. A prosa do ensaio intelectual não conseguiu penetrar na essência do que eu sinto acerca do judaísmo. Foi necessário trocar de veículo, por assim dizer, e embarcar na arte da crônica para poder cristalizar alguns momentos da minha vida nos quais realmente, por ser judeu, eu vivenciei por meio de novas e desconhecidas emoções.
Portanto, caro(a) leitor(a), você encontrará neste livro alguns ensaios em que tentei refletir acerca do milagre da nossa sobrevivência e crônicas nas quais trago emoções de momentos que vivi como judeu.
Espero que aquilo que não seja transmissível pelo ensaio o seja pela crônica e vice-versa. Assim, espero dar ao(à) leitor(a) a sensação da multifatorial que implica ser judeu: pensar e sentir.
Auro del Giglio