Elias Lipiner
O notável e célebre historiador Professor Elias Lipiner nasceu em 23 de fevereiro de 1916, na cidade de Chotin, antiga Bessarábia, hoje Moldávia. Aos treze anos foi obrigado a abandonar os estudos para ajudar o pai no sustento da família. Aos dezoito, em 1934, emigrou para o Brasil, onde viu-se na contingência de trabalhar como prestamista enquanto completava os estudos. Quatro anos depois já publicava na imprensa israelita alguns ensaios começados ainda em sua cidade natal.
Bacharelou-se em Direito no Rio de Janeiro, onde também iniciou sua carreira de jornalista profissional. Transferiu-se para S. Paulo, em dois anos defendeu o doutorado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, enquanto exercia a função de editor do jornal israelita "O Novo Momento". Dedicou grande parte de sua vida às pesquisas sobre a história dos judeus no mundo luso-brasileiro, notadamente sobre a Inquisição que a marcou tão profundamente.
O Professor Lipiner, exemplo de sábio multifacetado e de erudito humilde e solitário, recusava apoderar-se do conhecimento que produzia. Seu mote era compartilhar, mestre sem cátedra, mas com uma legião de alunos. Nos últimos anos de vida se estabeleceu em Jerusalém e começou a preocupar-se com a publicação dos trabalhos que se acumulavam na sua casa.
Nas palavras do próprio autor sobre si mesmo, "Meus principais trabalhos versaram sobre os tempos inquisitoriais. Com eles pensei em recuperar a identidade, a genealogia e as vidas de milhares de personagens cuja vida sofrida se espelha através dos 40 mil processos arquivados na Torre do Tombo, seus ossos queimados e o pó espalhado nas águas do Tejo. Herculano e outros historiadores dedicaram suas obras mais à burocracia da perseguição do que às suas vítimas. A história das vítimas desta perversa engrenagem ficou relegada a planos secundários. Verificando esta falha historiográfica e humana, tomei como ponto de partida para os meus trabalhos a pesquisa detalhada da vida destes heróis esquecidos. Procurei tirá-los do anonimato histórico e empenhei-me na perenidade dos seus nomes encobertos, perpetuando-lhes a memória. Era desnorteada e confusa a vida psicológica de um preso da Inquisição, atormentado com dramas de consciência devia denunciar parentes ou amigos, envolvendo-os nos procedimentos judiciais, para salvar a si próprio".
Com base nos feixes de documentos inquisitoriais relativos a um acusado (e não apenas o seu processo nominal), construiu uma obra-prima, o emocionante relato sobre a vida, prisão e martírio do jovem luso-holandês capturado no Brasil, Isaac de Castro (queimado vivo em Lisboa em 15 de dezembro de 1647).
Numa escrita castiça e nobre, plenamente integrada ao clima processual, Lipiner anima a documentação da Inquisição. Do palavreado às vezes insultuoso para com as vítimas tirou expressões lapidares, algumas convertidas em títulos. Nas peças acusatórias flagrou fatos relevantes sobre a vida, costumes e psicologia dos cristãos-novos. Com eles montou uma galeria de tipos e situações rigorosamente amparadas na crônica hebraica. Sem levantar a voz, sem alardear posições ou sentenças, narrador esmerado e historiador indisputado.