Por que os
judeus são chamados de “Povo da Aliança"?
Um
dos principais ensinamentos do judaísmo é o de que Deus selou um Pacto com o
povo judeu. Em um acordo celebrado entre Deus e Abrahão, descrito em Gênesis
12:1-3, Deus disse: “E farei de ti uma grande nação, e te abençoarei, e
engrandecerei teu nome... e serão benditas em ti todas as famílias da terra.”
Em
Deuteronômio 29:9-15, Moisés ratifica a Aliança ao dirigir-se aos Filhos de
Israel:
“Vós todos
estais hoje presentes diante do Eterno, vosso Deus... para que entreis na
Aliança... que o Eterno, teu Deus, faz hoje contigo, para que hoje te confirme
para si por povo, e seja a ti por Deus, como te falou e como jurou a teus pais,
a Abrahão, a Isaac e a Jacob. E não somente convosco eu faço esta Aliança...
mas com aquele que, hoje, não está aqui conosco.”
Na
tradição judaica, a Aliança é considerada como um laço permanente e
indestrutível entre o passado e o presente. Todos os judeus estão incluídos
porque todos procedem da “semente de Abrahão.” Desta forma, o povo judeu se
transformou em semente sagrada (em hebraico, zéra códesh), o que o levou
a ser chamado de “o Povo da Aliança.” Portanto, não importa se um indivíduo
judeu é fiel observante da lei judaica; ao descender da semente de Abrahão, sua
filiação ao povo judeu não pode ser negada.1
1. Ver capítulo 3 para uma elaboração mais ampla
do conceito de Povo Eleito.
Por que, de acordo com a lei judaica, só a
mãe determina se os descendentes são judeus?
O
Talmud4 declara que o filho nascido de pai gentio e mãe judia é
judeu. O Rashi respalda este critério.
Em apoio
a esta norma, de que a descendência materna - e não a paterna - é a que conta
para determinar se o filho é judeu ou não, os rabinos citam Deuteronômio 7:4:
“Porque (o idólatra) desviará teu filho da minha posse, e servirão a deuses
estranhos...” Neste versículo, segundo os rabinos, as palavras “teu filho” se
referem claramente ao filho de uma mãe judia e, portanto, deve-se presumir que,
em todas as épocas e em todos os casos, uma criança será judia se for o fruto
do ventre de uma mãe judia.5
Uma
segunda razão é que a mãe pode ser facilmente identificada no momento do parto,
enquanto a identidade do pai não é totalmente segura. Portanto, a lei judaica
estabelece que, se a mãe é judia, então a criança é judia, condição esta que
passará de geração em geração até o fim dos tempos.6
No
século XV, o talmudista Rabi Salomão ben Simon Duran, da Argélia, afirmou
categoricamente que o filho de uma mãe judia e um pai gentio é judeu para
sempre. Um século mais tarde, esta opinião foi codificada como lei.7
5. Kidushin 68b.
6. O rabino
Shaye J.D. Cohen, em Conservative Judaism, verão de 1983, Vol. 36, nº 4,
sustenta que o princípio da descendência materna foi estabelecido nos tempos de
Esdras, século V a.e.c.
7. Shulchan Arúch, Even Haezer 4:5, 19.
Por que o episódio de Judas tem tons
marcadamente antissemitas?
Conforme o Evangelho segundo Mateus, Judas Iscariote, um
dos discípulos de Jesus, apontou para os representantes da comunidade judaica
que o procuravam “para prendê-lo com malícia... e matá-lo” (Mateus 26:4). Por
esta traição, Judas foi recompensado com trinta peças de prata, as quais, mais
tarde, ao arrepender-se de seu ato, entregou ao tesouro do Templo. Os
sacerdotes do Templo utilizaram este dinheiro para comprar um lugar para
enterrar Jesus. Alguns especialistas em Bíblia afirmam que o excessivo destaque
que a teologia cristã concedeu ao incidente de Judas através dos séculos faria
parte de um esforço consciente para atribuir aos judeus a responsabilidade pela
morte de Jesus. O nome Judas soa tão parecido com judeus, que quando os
cristãos condenaram a Judas como o traidor de Jesus, conseguiram o efeito de
condenar os judeus por igual.
Na
linguagem comum, Judas se integrou como sinônimo de traidor, avarento, e de
alguém disposto a vender sua alma por dinheiro. Intencional ou não, quando
alguém escuta o nome Judas, costuma associá-lo aos judeus.
Por que a lei judaica não considera que o
dogma cristão da Trindade seja idólatra?
A
crença cristã na Santíssima Trindade - o Pai, o Filho e o Espírito Santo - tem
sido considerada pelos judeus de duas maneiras. Para alguns, como Maimônides
(1135-1204), a adoração da Trindade é politeísmo. Ele qualificou os cristãos de
pagãos e idólatras, de transgressores do preceito bíblico: “Não terás outros
deuses diante de mim” (Êxodo 20:3). Maimônides, que nasceu na Espanha mas viveu
a maior parte de sua vida em países dominados pelo Islã, considerou que só os
judeus e os muçulmanos eram autênticos monoteístas.10
Outros
eruditos, como o francês Rabênu Tam (1110-1171), o neto do Rashi, que viveu
toda sua vida na Europa cristã, aceitaram o conceito dos teólogos cristãos que
afirmavam que a Trindade era consistente com a ideia de um só Deus.
Para
estes teólogos, os três integrantes da Trindade formavam parte de um só Deus;
não eram deuses individuais. Assim como os raios de uma roda não são rodas
individuais, e sim, integram a roda, os três personagens da Trindade não são
deuses, mas integram um só Deus.11
10.
Ovadia Iossef, o ex-Grão-Rabino sefaradita de Israel, em seu livro de responsa Iechavê
Daat IV:45, continua seguindo a opinião de Maimônides, apesar de quase
todas as autoridades judaicas serem muito mais liberais em sua concepção sobre
a trindade cristã. Ver Shulchan Arúch, Orach Chayim 156 e Iorê Deá
148:12. Ver também Jewish Mystical Testimonies, do Rabino Louis Jacobs,
págs. 58 e 72, onde aparece uma atitude liberal semelhante, expressa por
Abraham Abulafia, um místico do século XIII, que faz referência ao que está escrito
no Talmud em Chulín 13b, que afirma que “não existem minim (min é um
judeu ou não judeu que adora ídolos) entre os gentios.. Os gentios da Terra de
Israel não são idólatras. Só prosseguem com os costumes de seus ancestrais (e
sua maneira de render culto não deve ser considerada prova de que, na
realidade, eles acreditem no que praticam)”. O contemporâneo de Abulafia, Meir
de Rothenburg, tinha um ponto de vista semelhante. Ver Rabbi Meir of
Rothenburg, de Irving Agus, pág. 245.
11.
Em seus comentários talmúdicos (San’hedrin 63b e Berachót 2b), o
Rabênu Tam defende a tese de que, quando os cristãos fazem o juramento em nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo, sua intenção é jurar somente por Deus. (A
associação de Filho e Espírito Santo a Deus (o Pai) é chamada shituf,
(“associação”, em hebraico). Os cristãos – afirma o Rabênu Tam – não estão
obrigados a seguir o pacto que proíbe aos judeus acrescentar personagens à
natureza Divina. Eles só estão obrigados a seguir as sete leis de Noé, nenhuma
das quais proíbe o shituf.
Por que o apoio judaico à caridade e
beneficência não judaicas é consistente com a tradição judaica?
No
Talmud, atribui-se grande importância ao fato de, na Bíblia, aparecer 36 vezes
o preceito de amar e ser amável com o estrangeiro. Com frequência, este
preceito é complementado pela frase “porque estrangeiro foste na terra do
Egito”(Deuteronômio 10:19). Estas palavras, segundo os rabinos, ressaltam a
importância de ter em conta o que significa não ser amado ou ser desprezado. Os
rabinos enfatizaram cuidadosamente a consideração extra que se deve conceder ao
órfão e à viúva.
A atenção
a todos os necessitados tornou-se parte integrante da vida judaica. Os judeus
devem ser caridosos e gentis, decentes e justos. Os conceitos de caridade e
justiça estavam tão entrelaçados, que a palavra hebraica para justiça - tsedacá
- tornou-se sinônimo de caridade.
A
exigência de que os judeus atendam aos necessitados, sejam eles judeus ou não
judeus, foi assim expressa pelo Talmud: “Nossos Rabinos ensinaram: Devemos
sustentar aos pobres entre os gentios, assim como sustentamos os pobres de
Israel; visitar os doentes entre os gentios, assim como visitamos os doentes de
Israel; proporcionar um enterro digno aos gentios, assim como enterramos os
mortos de Israel - tudo em nome da paz.’’ 7
7.
Guitín 61a. Alguns comentaristas notam que isto não implica em que seja
permitido que os gentios sejam enterrados no mesmo cemitério que os judeus. Ver
observação na tradução da Soncino Press sobre o texto em questão.
Por que a lei judaica proíbe os casamentos
mistos?
A lei
que proíbe aos judeus casar-se com um não judeu é de origem bíblica. Em
Deuteronômio 7:3 ela é exposta com clareza: “E não te aparentarás com elas: tua
filha não darás a seu filho, e sua filha não tomarás para teu filho.” O motivo
que a Bíblia dá é que os israelitas não fossem influenciados a cultuar os
ídolos das sete nações pagãs cujas terras estavam a ponto de invadir e
conquistar (Deuteronômio 7:1). A lei pretendia evitar o enfraquecimento do
recém-desenvolvido conceito de monoteísmo introduzido por Moisés e a unidade do
povo judeu recentemente recuperada.
No
Talmud foi reforçada a proibição contra casamentos mistos ao evitar-se atividades
sociais entre judeus e não judeus para que tais atividades não levassem aos
casamentos mistos.7 E apesar de, na era pós talmúdica (do começo da
Idade Média em diante), os cristãos e os muçulmanos não serem mais considerados
idólatras,8 as leis proibindo casamentos mistos continuaram em vigor
de modo a preservar a integridade e unidade da comunidade judaica.
7. San’hedrin 82.
Por que, ao contrário do que ocorre com o
cristianismo clássico, o judaísmo nunca definiu a atividade sexual como
pecaminosa?
Até há não muito tempo, o mundo ocidental, por influência
do cristianismo, considerava o sexo e o pecado como palavras praticamente
sinônimas. Ao longo dos séculos, os eruditos cristãos, baseando-se nos
ensinamentos do Novo Testamento (I Coríntios 7:19), têm considerado o sexo como
uma concessão à fraqueza humana, e o casamento como um “mal” necessário para a
propagação da espécie humana. Pensavam que o celibato era o estado ideal.
Gálatas (5:24) considera que o corpo é um recipiente depositário de “paixões e
desejos”, e Paulo é da mesma opinião, quando escreve na Epístola aos Romanos
(7:24-25): “Pobre de mim! Quem me livrará deste corpo de morte?... Com a mente
sirvo a Deus, mas com a carne, à lei do pecado.”
Na tradição judaica, o sexo não é considerado pecaminoso.
Gênesis (1:28) enfatiza o dever de “crescer e multiplicar-se” como um
mandamento positivo. O ser humano é obrigado a propagar a espécie.
Isaías (45:18) ensinou, mais tarde, que “Deus formou a terra para que seja
povoada.”
Os rabinos do Talmud foram ainda mais longe. Eles
declaram que, além da propagação da espécie, o sexo deve ser prazeroso.2
Um ser humano é obrigado a satisfazer as necessidades sexuais da esposa
(denominadas ona, na Bíblia, em Êxodo 21:10), e isto deve ser feito com
respeito e consideração.3 Negar o prazer do sexo à esposa é motivo
para obrigar o homem a conceder o divórcio. Maimônides entra em detalhes,
enfatizando que, assim como o homem não deve negar a satisfação sexual à
mulher, a mulher não deve se negar a ter relações sexuais com seu marido.4
2. Ketubot 14a.
3. Ibid. 62b e Pessachim 49b.
4. Mishnê Torá, Ishut 15:1.