Proveniente de regiões predominantemente islâmicas, a filosofia judaica medieval foi, até certo ponto, negligenciada e pouco explorada, considerada mero subproduto da filosofia árabe, que por sua vez, era entendida como mera releitura dos tratados greco-romanos. Se coincidem geograficamente e pelo entrelaçamento de temas, sempre voltados a necessidade de defender e fundamentar crença e fé, ambas diferem na forma pela qual anseiam responder as principais questões que se colocavam então ao pensamento ocidental.
A filosofia judaica medieval transcende o duo ciência/religião alcançando ainda os tópicos mais variados, de poética, politica e legislação, ate química, astronomia e alquimia, além de, como a sua congênere árabe, comentar, ajudando assim a preservar e restaurar, toda a produção greco-romana através de olhos inauditos.
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Na Senda da Razão: A Filosofia Judaica no Medievo constitui-se na maior súmula dos trabalhos sobre filosofia judaica medieval já publicada em português. Além de obras como Do Estudo e da Oração, de J. Guinsburg, e da tradução do clássico A Filosofia do Judaísmo, de Julius Guttmann, ambos pela Perspectiva, pouca coisa mais editou-se em vernáculo sobre o assunto fora do restrito círculo das publicações especializadas.
Fruto das mais recentes pesquisas na área acadêmica, nos ensaios ora apresentados ao público brasileiro se verifica não só o quanto a ideia corrente de que a filosofia judaica seria apenas uma extensão da teologia não é válida - sendo o dado teológico subordinado e não subordinante - como se evidencia o amplo escopo especulativo desses pensadores para além do binômio ciência/religião: astronomia, política, alquimia, legislação, poética, política, psicologia. Ademais, resgatou-se, trazendo à luz sob nova óptica crítica pela primeira vez desde o fim do helenismo clássico, mil anos antes, o melhor da produção greco-latina de filosofia, ao mesmo tempo que lançou-se as fundações sobre as quais se assentaria o vistoso edifício do Iluminismo europeu.
Considerando a estreita relação da filosofia judaica com a filosofia árabe do mesmo período, nada melhor do que uma especialista nesta última, como Rosalie Helena de Souza Pereira, para selecionar e coordenar esta edição com a mesma competência e o mesmo afinco que levaram a bom termo O Islã Clássico, título que se tornou referência na área. Conformam ambas as obras um amplo panorama do pensamento judeu-árabe que teria papel decisivo nos séculos seguintes no pensamento ocidental, na filosofia e na ciência modernas.
Eis, portanto, uma obra que, embora de grande valia para os estudos filosóficos focados na Idade Média, não restringe seu foco a tal público, mas é também sob medida àqueles entre nós para quem, como os pensadores analisados, ainda vale a máxima de Terêncio, "sou humano, nada do que é humano me é alheio".