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Luzes da Torá (1) - Gênesis

Sobre vida, amor e família
Autor: Shlomo Riskin
Editora: Sêfer
SKU: 12070
Páginas: 296
Avaliação geral:

Análise moderna e surpreendente de passagens do Gênesis enfocando seus ensinamentos sobre vida, amor e família na visão do Rabino Shlomo Riskin, que trarão aos leitores - judeus e não judeus - uma visão especial sobre as múltiplas interpretações e deduções a que o texto deste livro sagrado nos conduz, e o humanismo e a sensibilidade do autor nos farão sentir as mensagens de suas palavras não somente com a mente, mas também com o coração.

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Descrição

Análise moderna e surpreendente sobre inúmeras passagens do Gênesis.
 
Na visão do Rabino Shlomo Riskin, a Torá é, ao mesmo tempo, o documento mais antigo e o mais atualizado entre todos os que visam oferecer orientação à vida humana. Ele auxilia os leitores a extraírem dela lições pessoais adequadas aos tempos atuais, mesmo em se tratando de textos escritos milhares de anos atrás. Como ele escreve na introdução, a análise dos problemas expostos na Torá reflete os problemas que a própria vida nos apresenta. Assim, a capacidade da Torá de falar simultaneamente a cada geração e a cada indivíduo em particular é o maior testemunho de sua origem Divina.

Palavras de David Gorodovits, tradutor da obra e membro do conselho editorial da Sêfer, em sua apresentação ao livro:

"Ao escolher para publicar em português, entre tantos livros de comentários sobre a Torá, a obra do Rabino Riskin, temos certeza de que estamos trazendo a nossos leitores uma visão muito especial sobre as múltiplas interpretações e deduções a que o texto deste livro sagrado nos conduz.


O humanismo e a sensibilidade do autor nos fazem sentir as mensagens de suas palavras não somente com a mente, mas também com o coração.
Sua experiência como rabino nos Estados Unidos e em Israel, e a empatia característica de sua personalidade fizeram com que, de certa forma, absorvesse e reagisse como se fossem suas todas as situações que lhe foram apresentadas pelos que buscaram seu aconselhamento. Isto o levou a redigir seus textos de tal forma que neles se pudessem encontrar palavras encorajadoras para cada um de seus leitores.


Por meio de seus comentários passamos a vivenciar os episódios que ele está analisando e encontramos inspiração para aplicar em nosso dia a dia os ensinamentos que nos transmitem. 


A Editora Sêfer se sente feliz por mais esta realização, ao trazer aos brasileiros, judeus e não judeus, as mensagens grandiloquentes da Torá numa linguagem acessível a todos e que, certamente, farão vibrar no coração de cada leitor as cordas harmoniosas que entoam uma melodia de amor, gratidão e respeito ao Eterno."

Índice e trechos

ÍNDICE

 

Apresentação
Prefácio
Tributo
Introdução

Bereshit
O que é a Torá?
A revolução de Copérnico e a posição do ser humano 
Por que coisas ruins acontecem às pessoas boas?
O primeiro casamento: superando a solidão e o isolamento 
Por que foi proibida a fruta proibida?
O ser humano se assemelha mais a Deus ou aos animais? 
Os lauréis e os limites da Ciência

Nôach
Expandir-se ou retrair-se? Família x Mundo
Palavras constroem mundos (continuação) 
O vegetarianismo e a Bíblia
 Dois agnósticos, mas somente um deles é justo
 Israel e as nações
 O Dilúvio e a Torre de Babel
 
Lech Lechá
Nacionalismo x Universalismo: o dilema interno de Abrahão
Abrahão: inovador ou continuador?
Tirar vantagem é o mesmo que escravizar
 O milagre da fé
 Contrato ou pacto?
Nação ou religião?

Vaierá
O silêncio de Abrahão
 O sacrifício final 
Afinal, de quem foi o sacrifício: de Abrahão ou de Isaac? 
Isaac e Ismael: dois destinos partilhados
O poder e as limitações de um pai 

Chaiê Sará
A bênção da velhice: pais e filhos
O significado de um túmulo
 O que fez Labão sair correndo?
 Abrahão é o rabino porque Sara é a rabanit
 Casamentos arranjados x Casamentos românticos

Toledot
Com quem podemos estabelecer tratados?
A escolha de Rebeca: engano em nome dos Céus
A verdade por trás das máscaras 
Talvez Esaú seja o primeiro impostor
O homem propõe e Deus dispõe

Vaietsê
O primeiro monumento à vida e à eternidade
Será que alguém pode realmente voltar para casa?
Podemos barganhar com Deus?
O que você sonha traduz o que você é
O que importa não é o que você tem, mas o que você é

Vaishlách
Em busca de Deus e em busca de si mesmo
Uma releitura de Esaú: identidade sem continuidade
Quem são os verdadeiros terroristas: Simão e Levi 
ou Sechém e seus súditos?

 Vaieshev
Em que se constitui a culpa?
Judeus e não Rubeus
Sonhos e visões


Mikêts
A habilidade de escutar tanto seus próprios sonhos 
quanto o dos outros 
Por que José não mandou um e-mail para seu pai?

Vaigásh
As lágrimas de José e Benjamim
Uma reunião de fidelidade e lágrimas
A verdadeira arte da negociação
Por que choramos?
Sobre carros e animais, trens e aviões, 
culpa e perdão, pais e filhos
A distância torna o coração mais afetuoso ou mais distante?
 O mau-olhado não te controlará

Vaichí
O começo do fim
A quem você pertence?
Por que abençoamos nossos filhos como "Efráim e Menashê"? 
O milênio e o messianismo normativo

Comentaristas citados nesta obra

*  *  *

O vegetarianismo e a Bíblia
"Tudo que se move vos servirá de alimento, como toda verdura e erva que já vos dei."

Gênesis 9:3

Qual é a atitude judaica em relação ao vegetarianismo? Apesar da predileção por jantares de carne no Shabat e nas festas, será que é espiritualmente preferível que nos alimentemos somente com arroz, feijão, couve-flor e cenouras?


Com a criação de Adão, o Todo-Poderoso ordena à humanidade, bem como aos animais, que comam apenas frutas e vegetais. Somente após o dilúvio e o resgate de Noé é que Deus, depois de abençoá-lo para que seja frutífero, se multiplique e volte a preencher a terra, declara que, de agora em diante, lhe é permitido comer de cada ser vivente que se move.


Eu diria que esta permissão é, na verdade, uma concessão. Ela é manifestada após a afirmação do Eterno de que "o impulso (
iétser) do coração do ser humano é mau desde sua mocidade", a inescapável conclusão do Eterno como resultado da perversão e violência que imperavam antes do dilúvio. O Rabino Joseph B. Soloveitchik dizia que a Torá não somente registra o caminho do homem buscando compreender o Divino, mas documenta também Deus em Sua crescente compreensão, e mesmo desapontamento, com a fraqueza e corrupção do ser humano.


Essa concessão a Noé é seguida imediatamente pela ordem de não comer um membro de um animal vivo ou de beber sangue, de não cometer suicídio e de não tirar a vida de outro ser humano. Com efeito, Deus reconhece que já que o impulso e a habilidade de destruir se mostraram um elemento da personalidade humana, que pelo menos ele fosse expresso no tirar a vida de um animal, e não na destruição de seres humanos.


Visto sob esta perspectiva, as leis de 
cashrut servem para limitar nosso consumo de carne, como um lembrete da ambiguidade moral envolvida no próprio consumo dela. Muitos animais, pássaros e peixes são completamente proibidos, e aqueles que nos são permitidos precisam ser abatidos de uma forma muito mais espiritual e humana do que a maneira pela qual os animais são normalmente mortos por todo o mundo.


Na verdade, as leis de 
cashrut, conforme expressas na Bíblia, estão certamente relacionadas à elevação de nossa sensibilidade para com o mundo animal. São principalmente os animais carnívoros e as aves de presa que nos são proibidos. Além disso, o consumo de sangue é proibido. Mesmo a carne que nos é permitida deve ser salgada e enxaguada a fim de remover tanto sangue quanto possível, porque "sangue é vida". Finalmente, carne e leite não podem ser comidos juntos, sendo costume entre os judeus ashkenazitas da Polônia manter um intervalo de 6 horas entre comer carne (mesmo que seja de ave) e fazer uma refeição de leite, pois "não cozinharás a carne do filho embebida no leite da mãe" (Êxodo 34:26). Isto é um apelo à compaixão e à sensibilidade estendida ao mundo animal.


O primeiro Rabino-Chefe de Israel, o Rabino Abraham Isaac Hacohen Kook, percebia, mesmo nessa orientação, uma censura àquele que se alimenta de carne. Ele explica (de acordo com a interpretação do Nachmânides) que, quando os judeus ainda estavam no deserto e o Santuário (lugar dos sacrifícios) estava literalmente no meio do povo, a única carne que se permitia comer era a dos sacrifícios. Obviamente, isso limitava a quantidade de carne usada para alimentação. Somente depois que deixaram o deserto e devido ao fato de muitos israelitas morarem longe do Santuário é que foi permitido comer carne não proveniente dos sacrifícios, mas somente de acordo com as leis da 
cashrut.


Além disso, o Rabino Kook explicou que nas próprias palavras da Bíblia encontra-se uma advertência:

 

"Quando o Eterno, teu Deus, expandir tuas fronteiras... e disseres 'comerei carne' porque tua alma está ávida por carne..."


É somente por causa de tua "avidez" por carne - sem dúvida, um comentário nada lisonjeiro - que Deus permitiu aos israelitas comer carne. Por fim, ele diz que, no futuro período do Terceiro Templo, voltaremos ao ideal original de vegetarianismo e a única oferenda no Templo Sagrado será de grãos - a oferenda de 
Minchá.


Explicando o sacrifício animal de uma forma geral, o Rabino Kook defende que o mundo animal recebe seu 
ticun (conserto espiritual) ao ser trazido ao altar do Eterno, uma vez que, sendo desprovido de razão, os animais não podem se elevar, exceto por meio de algo que seja feito com eles. No futuro, entretanto, quando "a terra estará repleta do conhecimento do Eterno, como as águas cobrem o mar" (Isaías 11:9), uma abundância de conhecimento se espalhará e alcançará até a vida animal. E, como nossos profetas ensinam que durante a Era Messiânica "Não causarão dano e nada destruirão em Meu santo Monte" (ibid.), é inconcebível que a vida animal seja destruída para servir ao Divino. Nesta época, "as oferendas (de farinha e vegetais) de Judá e de Jerusalém serão prazerosamente aceitas pelo Eterno" (Malaquias 3:4).


Uma noção similar pode ser encontrada nos escritos do Rabino Chaim David Halevi. Ele afirma - e cita o Rabino Kook como prova para seu argumento - que este será apenas o primeiro estágio da Era Messiânica, que incluirá sacrifícios animais no Terceiro Templo, uma vez que no primeiro estágio messiânico o mundo funcionará e existirá como é agora, incluindo os pecados e a necessidade de sua expiação. Entretanto, uma vez que a Era Messiânica alcance o seu clímax espiritual de arrependimento universal, os sacrifícios de animais se tornarão uma mera recordação do período anterior, mais primitivo. Afinal de contas, ele escreve, se não há pecado, qual é a necessidade de sacrifício animal para expiação?


O Rabino Halevi conclui que, no período do Terceiro Templo, a Presença Divina será revelada em todo Seu esplendor e glória, e não haverá outro sacrifício além da oferenda de 
Minchá, composta de farinha e óleo.


Há um costume muito bonito que consiste em cobrir a faca com a qual se corta a 
chalá enquanto recitamos a Bênção de Graças Após as Refeições, a fim de destacar nossa repulsa por implementos que podem ser usados para matar e destruir. Que chegue logo o tempo em que as espadas se transformarão em arados e as lanças em foices, quando não haverá mal nem destruição no mundo inteiro e as únicas facas serão para fatiar a chalá a ser comida com leite e mel - não com carne - em homenagem ao Shabat e às festas!

 

*  *  *

 

O que é a Torá?
"No princípio, Deus criou os céus e a terra."

Gênesis 1:1

Por que a Torá, a palavra de Deus dada a Moisés como Seu legado ao povo judeu, começa com a narrativa da Criação, passando pelos Jardins do Éden e pela Torre de Babel? Ela poderia, e talvez até devesse, ter começado do momento em que os judeus receberam seu primeiro mandamento como nação, após a saída do Egito - "Este será para vós o primeiro dos meses" (Êxodo 12:2), referindo-se ao mês de Nissan, quando Pêssach, a singular festa judaica que comemora nosso nascimento como nação, é celebrado. Afinal de contas, a Bíblia não é essencialmente um livro dos mandamentos? Assim questiona o Rashi no começo de seu comentário sobre o livro de Bereshit.

Eu gostaria de sugerir três respostas clássicas a essa questão, e cada uma delas traz uma contribuição importante à pergunta que inicia esse capítulo: O que é a Torá?

A resposta do Rashi a esta questão constitui a crença sionista.

Começamos com a narrativa da Criação porque, se as nações do mundo apontarem seus dedos para nós clamando que somos ladrões, dizendo que roubamos esta terra dos canaanitas e de outros povos nativos, nossa resposta será de que a terra e o mundo inteiro pertencem a Deus, por ter sido Ele quem os criou. Ele pode entregar qualquer parte da terra a quem, aos Seus olhos, a merecer. Sob essa perspectiva, o Rashi, de forma brilhante, deu a um versículo universalista uma interpretação nacionalista. Ele definiu nosso direito à Terra de Israel como uma consequência direta do primeiro versículo da Torá!

Podemos acrescentar às palavras do Rashi mais uma dimensão. Ele conclui essa interpretação afirmando: "Ele pode entregar qualquer parte da terra a quem, aos Seus olhos, a merecer." Essas palavras podem significar "a quem Ele quiser", isto é, a Israel, porque Ele fez essa escolha arbitrária, ou podem significar "a quem for moralmente merecedor desta terra", o que implica que teremos direito a ela somente se nossas ações forem moralmente dignas. A história judaica ratifica essa segunda interpretação com o fato de termos sofrido dois exílios, sendo que o segundo durou cerca de 2.000 anos. Se essa é verdadeiramente a explicação adequada, as palavras do Rashi nos proveem uma advertência e uma promessa.

O comentarista Nachmânides também debate essa questão. Para ele está bastante claro que o fato de o mundo ter sido criado por Deus é o ponto central da nossa teologia e, assim sendo, era essencial que essa afirmação estivesse presente no primeiro versículo da Torá.

A Torá nos apresenta uma completa filosofia de vida. As sete primeiras palavras da Torá nos dizem, da maneira mais clara, que há um Criador do Universo e que o nosso mundo não é consequência de um acidente, "um conto relatado por um ignorante, repleto de estrondos e fúria, sem nenhum significado", uma casual convergência de elementos químicos e de gases em explosão. É um mundo que teve um começo (e isso implica que também terá um fim), um propósito e uma razão de ser. Além disso, será que poderíamos existir, por um momento que fosse, sem a criação dos céus e da terra? Nossa própria existência depende do Criador, e, por nos ter criado, Ele tem o direito de cobrar que vivamos de uma determinada forma e cumpramos Suas leis. O primeiro versículo da Torá estabelece a base para tudo que se segue.

Antes de tudo, há um princípio; em segundo lugar, há um Criador que criou os céus e a terra; em terceiro lugar, tudo, nos céus e na terra, deve sua existência ao Criador; em quarto lugar, é plausível que haja comportamentos e ações que o Criador deseja e espera de Sua criação. Segundo Nachmânides, toda a nossa estrutura metafísica se baseia no versículo inicial da Torá. Afinal de contas, como Criador, Ele tem direitos de propriedade. Ele nos possui. Ele é o dono de nosso ser. Ele merece que vivamos nossa existência de acordo com Sua vontade e não meramente de acordo com nossos desejos subjetivos e, até mesmo, egoístas. Ele merece não só que O abençoemos antes de partilhar qualquer elemento que Seu universo nos ofereça, como também que assumamos o compromisso de manter o estilo de vida que Ele nos recomenda. Nachmânides continua e nos ensina que, do mesmo modo que Adão e Eva foram exilados do Jardim do Éden após comerem do fruto que lhes fora proibido, a punição por desobedecermos Suas leis será a alienação e o exílio, processo experimentado com muito sofrimento pelo povo de Israel. Essa afirmação é também um elemento crucial da teologia judaica.

Midrash (Bereshit Rabá 12) oferece uma terceira explicação. No versículo inicial está implícito o princípio fundamental de que devemos viver: "No princípio, Deus criou os céus e a terra." Nessa sentença, "criou" é o verbo; o mundo nos revela a função criativa do Divino. Partindo do princípio de que devemos seguir Seus caminhos, nosso primeiro contato com Deus nos ensina que, assim como Ele criou, nós também devemos criar; assim como Ele, pairando sobre o abismo da escuridão, criou a luz, também nós, criados à Sua imagem e semelhança, devemos remover todos os bolsões de escuridão, caos e vazio, e introduzir neles luz, ordem e significado. Desse modo, o primeiro versículo do Gênesis é também o primeiro mandamento, uma ordem emitida por Deus para todos os seres humanos criados à Sua imagem: devemos criar, ou melhor, recriar o mundo, tornando-o mais perfeito, em virtude da "imagem de Deus" pela qual fomos criados. O Midrash vê os seres humanos, de uma forma geral, e os judeus, em particular, como uma força criativa. Nossas energias criativas - religiosas, éticas, científicas e artísticas - devem trabalhar em harmonia com o Todo-Poderoso para aperfeiçoar um mundo que ainda não está perfeito, para trazer de volta a paz e a harmonia que existiam no Éden.

Frequentemente, os críticos da Bíblia cometem dois erros. Eles desvestem a Torá de seu contexto e de seu subtexto, perdendo de vista o que a Torá realmente quer dizer. Destacam a mecânica gramatical das palavras e desprezam sua majestade, a chama, a visão e a mensagem. O que devemos lembrar é que, essencialmente, a Bíblia não é apenas um livro de leis, por mais importantes que elas sejam, e certamente não foi escrita por um ser humano em sua débil tentativa de compreender Deus e a Criação. É, na verdade, o Livro dos Livros, emanado de Deus, que nele dá instruções e direção para nossas vidas. Ela revela não somente o que a humanidade é, mas, muito mais do que isso, o quanto ela deve se esforçar para vir a ser; ela nos ensina que não devemos apenas nos encarregar do mundo, mas sim, trabalhar para tentar aperfeiçoá-lo e torná-lo digno da majestade do Divino.

 

*  *  *

 

Afinal, de quem foi o sacrifício: de Abrahão ou de Isaac?

"E andaram ambos juntos."

Gênesis 22:8

 

Na Akedá, de quem foi o sacrifício maior: de Isaac ou de Abrahão? Instintivamente, a primeira resposta que vem à mente é que foi o de Abrahão. Afinal de contas, a porção da Torá tem início com as palavras: "E Deus testou a Abrahão". De fato, Isaac era o filho ansiosamente esperado por Abrahão por toda sua vida, a afirmação de sua fé e a promessa de seu futuro. 

Qualquer pai, e principalmente Abrahão, preferiria morrer a ver seu filho morrer. Se Deus tivesse dito: "Você tem uma escolha: você ou seu filho", Abrahão teria feito o que milhares de outros pais fizeram - colocaria o filho em segurança e subiria sozinho ao monte Moriá, agradecido a Deus por saber que seu filho sobreviveria. Entretanto, como podemos menosprezar a profundidade do sofrimento de Isaac? Da vida de quem se está tratando? Qual é a carne que está amarrada ao altar, transformada numa oferenda a ser queimada? A do pai ou a do filho? E independente de quão doloroso possa ser testemunhar a tragédia, poderíamos negar que o verdadeiro sacrifício é o daquele cujo corpo subirá em chamas? Isaac, inegavelmente, é tão heroico quanto Abrahão. E está claro que Isaac entende perfeitamente o que vai ocorrer. De acordo com o Rashi, ele tinha 37 anos quando ocorreu a Akedá, idade suficiente para lutar contra a vontade de seu pai ou fugir dali. E mesmo se o Ibn Ezra, que afirma que Isaac tinha 12 anos naquele momento, esteja mais coerente com a história bíblica, ele ainda poderia chorar, protestar ou apelar para a misericórdia de Abrahão. Nenhuma reclamação da parte de Isaac é mencionada na narrativa bíblica. Pelo contrário, mesmo depois que Isaac está, presumivelmente, consciente do que está para acontecer, o texto afirma: "E andaram ambos juntos".

Além do fato de que o sentimento paterno que há em todos nós se identifique com Abrahão e considere como sendo dele o maior sacrifício, há uma diferença essencial entre o pai e o filho, que me foi mostrada por meu rabino Moshe Besdin.

Foi a voz de Deus que Abrahão ouviu, dando a ordem para que levasse seu filho, seu único filho, e o trouxesse como uma oferenda de elevação. Quando Maimônides quer provar a veracidade da profecia, ele se volta para o episódio da amarração de Isaac. Se Abrahão não acreditasse na absoluta verdade da profecia, teria, mesmo assim, erguido sua mão para matar seu filho? Teria sacrificado todo o seu futuro, bem como o futuro da humanidade, a não ser que estivesse absolutamente seguro da origem Divina da ordem?

Mas, podemos dizer o mesmo sobre Isaac? Afinal de contas, ele ouviu a ordem, mas não de Deus, e sim de seu pai.

Um olhar atento ao que transparece entre as linhas do texto da Bíblia provê uma ligeira percepção do relacionamento único existente entre este pai e este filho.

Há uma temerosa suspeita na mente de Isaac, uma crescente percepção do que está para acontecer, um desejo de confrontar o pai (embora de forma muito delicada) e depois uma profunda aquiescência, até mesmo uma unidade de propósito e missão. Abrahão acorda bem cedo, de manhã, para levar seu filho à fatídica jornada. Sobre o que falam, se é que falam, não é mencionado; mas, no terceiro dia, depois que Abrahão dispensa os dois ajudantes de acompanhá-los, Isaac começa a falar. E o que ele diz e o que não diz é algo de raro e sensível significado.

A professora Nechama Leibowitz nos ensinou que, quando a Torá narra um diálogo e quer informar a mudança da pessoa que está falando, ela o faz usando a palavra Vaiômer, "E ele disse"; afinal, a Torá foi escrita de uma forma que não apresenta aspas. No terceiro dia de sua jornada, Isaac percebe que seu pai está preparando a faca e a lenha para a oferenda. Pela primeira vez, desde o início da caminhada, a Torá revela as palavras de Isaac.

Vaiômer, começa o texto, "E Isaac falou a Abrahão, seu pai". Esperaríamos, agora, encontrar as palavras ditas por Isaac, mas isso não acontece. Em vez disto, novamente Vaiômer, mas desta vez com uma palavra: Vaiômer avi, "e disse: Meu pai!". Por que temos um Vaiômer após o outro sendo que ambos estão se referindo às palavras ditas pelo mesmo locutor, e sabendo que Isaac, afinal, não diz absolutamente nada após o primeiro Vaiômer? É como se tivéssemos aberto e fechado aspas sem qualquer palavra entre elas. Neste ponto da narrativa, Abrahão toma conhecimento do que diz Isaac, dizendo "Eis-me, meu filho."

Agora vem o terceiro Vaiômer de Isaac neste contexto: "E disse: Eis o fogo e a lenha, e onde está o cordeiro para a oferta de elevação?"

Qual o sentido do Vaiômer?

Aparentemente, Isaac suspeita do verdadeiro propósito da jornada desde o momento em que o pai o acorda e lhe diz que estão de saída. Ele, trêmulo, fica em silêncio pelos três primeiros dias, para talvez ouvir outra explicação ou para receber a trágica confirmação do pior pesadelo. Compreensivelmente, Abrahão não pode explicar o que pretende fazer. Isaac anseia por fazer a pergunta, mesmo que isto signifique que ele ouvirá o pior. Nada, pensa ele, seria melhor do que permanecer nesta incerteza. Mas como pode um filho respeitoso perguntar ao pai: "Você está planejando me sacrificar?" Dada a proximidade que Isaac sempre sentiu de seu amado pai, que esperou até aos 100 anos de idade para ter um filho com Sara, como poderia ele sequer começar a formular tal impensável questão?

No terceiro dia, Isaac tenta: Vaiômer mas somente um "Aaaah" sai de sua boca - ele consegue apenas gaguejar e balbuciar, mas se sente incapaz de formular esta horrível ideia. Por fim, ele tenta novamente: Vaiômer, e desta vez ele acrescenta "Meu pai!". Mais uma vez ele para no meio da sentença, mas Abrahão gentilmente lhe responde: "Eis-me, meu filho." Isto finalmente dá a Isaac a possibilidade de delicadamente sugerir: Vaiômer, e ele diz: "Eis o fogo e a lenha, e onde está o cordeiro para a oferta de elevação?" A resposta de Abrahão não deixa espaço para qualquer pergunta posterior: "Deus proverá para Si o cordeiro para a oferta de elevação, meu filho".

O que é realmente maravilhoso é a frase seguinte: "e andaram ambos juntos" (iachdáv). Somos atingidos pelo impacto da palavra "juntos" para descrever uma jornada para a qual os dois se encaminham com igual dedicação, apesar do conhecimento que têm, de que somente um deles voltará vivo.

Também nos impacta a prontidão de ambos para cumprir esta determinação tão inexplicável, ordenada por Deus, a despeito do fato de que o pai a ouviu do próprio Deus e o filho a ouviu somente de seu pai.

Diante destes fatos inquestionáveis, Isaac emerge como um verdadeiro patriarca, um modelo e um paradigma para todas as futuras gerações. Afinal de contas, nossas tristes orações penitenciais (selichót e kinót) atestam o fato de que Isaac é, na verdade, o modelo de Kidush Hashem (Santificação do Nome de Deus provocada por alguém que se deixa matar por sua fé e por sua nação) no decorrer de nossa história umedecida por nossas lágrimas e enrubescida por nosso sangue.

Teriam aqueles que se deixaram torturar e assassinar pelas espadas dos cruzados, em vez de aceitar a conversão que lhes tentaram impor a força, escutado diretamente a voz de Deus? Não seria mais correto dizer que estavam atendendo a seus pais, seus professores e aos textos tradicionais que definiram e delimitaram os limites dentro dos quais se pode e se deve entregar a própria vida pela glorificação do Nome de Deus? Abrahão pode ser o primeiro judeu, mas Isaac é o primeiro filho judeu, o primeiro estudante judeu, o primeiro representante da Messorá (a tradição transmitida de pai para filho, de mestre para discípulo), cuja dedicação à morte emana, não da ordem que ouviram diretamente de Deus, mas de sua adesão à Tradição Oral.

A essência do judaísmo não é o de uma religião baseada em visões beatificantes ao longo do caminho de Damasco ou mesmo de Jerusalém. Nossa religião é aquela em que a verdade é transmitida de uma geração à outra, de pai para filho, de mestre para discípulo. E, para nós, o paradigma começa exatamente na Akedá. Quem é o primeiro judeu? Abrahão. Mas quem é o primeiro judeu histórico, o primeiro representante da cadeia histórica do ser judeu, cujos elos foram forjados pelo arcabouço do compromisso e do sacrifício? O filho de Abrahão, Isaac.


Prefácio

PREFÁCIO

 
Durante o período de formação mais importante da minha vida, entre os 10 e 16 anos, passei cada jantar da noite de Shabat com minha avó materna, Chaya Beyla bat Rav Shlomo Hacohen e Mindel. Ela era uma mulher notável, rica em conhecimento e profundamente comprometida com o cumprimento de tudo que manda a lei judaica. Ela veio para o Brooklyn, em Nova York, do shtetl (vilarejo) de Lubien, na Polônia, em 1922, e morreu em 1960 sem nunca ter aprendido a falar corretamente sequer uma frase em inglês. Seu universo permaneceu no mundo do yidish e do hebraico, do Sidur, da Bíblia e do Morgen Journal ("Jornal da Manhã", em yidish), e seus amigos mais próximos eram todos do mesmo shtetl onde ela cresceu. Sua sinagoga era chamada de Ets Chaim Anshei Lubien, uma congregação formada por landsman (pessoas do mesmo vilarejo).


Na sinagoga, as pessoas se sentavam nas filas conforme a ordem adotada em Lubien, e seus túmulos (na seção de Lubien do Washington Cemetery em Bensonhurst, no Brooklyn) eram dispostos para que cada um ficasse ao lado daqueles com quem tinha compartilhado shabatot e chaguim nesse mundo.
A despeito de suas limitações de linguagem, minha avó era extremamente patriótica em relação à América. Ela havia milagrosamente se tornado uma tsitsizen (cidadã) e, no decorrer das discussões que mantinha ao redor de sua mesa com os amigos, não permitia que ninguém dissesse palavras indelicadas a respeito de um de seus heróis contemporâneos, que ela considerava um genuíno representante dos "gentios justos" e um salvador do povo judeu: o Presidente Franklin Delano "Rosenfeld". 


Ela adorava o teatro yidish e tinha especial devoção por música de chazanim, principalmente a de Yossele Rosenblatt. Tinha lido Goethe e Heine em sua mocidade, por instigação de seu marido, meu avô Chaim, que fora uma pessoa bem educada. Sua grande paixão, depois dos filhos e netos, era o estudo da Torá. Seu pai, o Rabino Shlomo Hacohen Kowasky (cujo nome eu herdei), tinha sido daian (juiz rabínico) em Lubien e, como sua esposa dera à luz três mulheres, sendo a minha avó a mais velha delas, ensinou a ela não somente o Chumash (os Cinco Livros de Moisés) como também Mishná e um pouco de Guemará. Conta a tradição da família que ele viveu até os 115 anos e sobreviveu a três esposas, mas continuou a ensinar à sua brilhante Baltcha (diminutivo de Beyla) até ela se casar.


Assim como aconteceu com muitos de seus contemporâneos, cada um de seus sete filhos manteve fortes laços étnicos e nostálgicos com as tradições judaicas, embora seu desejo de aculturação na América se mostrasse mais forte que a obediência aos mandamentos Divinos de Shabat e Cashrut. Como eu era o filho mais velho de sua filha caçula e tinha estudado na Ieshivá (somente porque seu currículo acadêmico era melhor que o da escola pública local, num bairro que estava em rápida transformação), eu era sua última esperança. Ela supria minha mãe com comida casher, supervisionava minha educação religiosa por meio de visitas semanais ao diretor da escola judaica e me convidava para passar com ela todas as noites de Shabat (meu avô Chaim tinha sofrido um AVC e estava num lar de convalescentes).


Aquelas noites inesquecíveis começavam com a bênção das velas. Ela ficava diante de seu candelabro de sete braços (que ela carinhosamente segurou durante toda a viagem de navio que a trouxe da Europa) por pelo menos 20 minutos falando com Deus como se fala com um velho amigo em quem se confia, lembrando-se de todos os filhos e de todos os netos, recitando pedidos e agradecimentos ligados a cada um deles. Rezávamos então juntos, pronunciando palavra por palavra. A comida era deliciosa. Entre um prato e outro, cantávamos zemirot (canções de Shabat) com as mesmas melodias que meu bisavô Shlomo cantava em Lubien e estudávamos a porção semanal da Torá traduzida para o yidish.


Minha avó tinha uma maneira maravilhosa de tornar vivos os personagens bíblicos. Ela não escondia nada; aprendi os fatos da vida e as proibições da Torá nas várias passagens bíblicas que estudei com ela. O mais importante é que seu Deus era realmente o "Pai do céu", uma espécie de exaltado bisavô Shlomo que a amava e protegia das alturas. Ela nunca falava da punição Divina como castigo pelos nossos pecados, somente da decepção Divina com nossos erros. (Assim, até hoje não tenho tanto receio de que Deus me puna quanto me envergonho com a possibilidade de desapontá-Lo com minhas ações ou com a falta delas.)


Ela adorava especialmente descrever como se cortejavam nossos patriarcas e matriarcas, destacando sempre o amor entre Jacob e Rachel. "Foi assim com seu avô e comigo", ela dizia. Ouvi muitas vezes que meu bisavô Shlomo recusava receber dinheiro em troca do ensino da Torá e por seus julgamentos como daian. Ele tinha uma loja de feno e aveia, e um grupo de jovens trabalhava com ele metade do dia e todos recebiam como salário o direito de estudar com ele na outra metade do dia. Eles acordavam à meia-noite para o ticun chatsot (reza da meia-noite), estudavam até quase o amanhecer, iam ao micvê, rezavam, trabalhavam por toda a manhã e uma parte da tarde e depois estudavam mais. Eles levavam consigo seus tefilin quando saíam no meio da noite; deixavam-nos cuidadosamente arrumados sobre um cobertor estendido na grama quando iam ao micvê e os usavam para rezar quando voltavam.


Minha avó não gostava do desrespeito com os tefilin. Ela se levantava na mesma hora que os trabalhadores e, quando começavam a estudar e ela achava que não a notariam, colocava todos os tefilin num armário e depois os devolvia ao cobertor antes que eles voltassem do micvê.


Meu avô era neto do irmão do genro do (autor do livro) Sefat Emet e era um chassid de Guer. Vinha de um vilarejo um pouco maior, Wrozlawek, onde tinham feito seu noivado com uma moça que ele só tinha visto uma vez. Ele notou o cuidado especial que minha avó tinha pelos tefilin e, eventualmente, notou algo mais, porque se apaixonou profundamente. Convenceu seu pai a cancelar o compromisso anterior e, assim, Chaim casou com Baltcha, e o jovem casal passou a viver na casa do Rabino Shlomo Kowasky, em Lubien.


E era deste modo que minha avó e eu passávamos cada noite de Shabat: comida deliciosa, histórias maravilhosas, canções interessantes e estudos da Torá. Eu me sentia quase transportado para o shtetl mágico de Lubien. Parecia que eu conhecia todas as suas ruas, seus odores, seu povo... Eu sentia que o conhecia até melhor do que a área de Bedford Stuyvesant, onde eu morava.

*


Em 1933, fui convidado a participar da Marcha da Vida. Visitar a Polônia seria para mim como se eu ?voltasse? à Polônia. Teria a oportunidade de visitar o lar de meus antepassados em Lubien. Aceitei com entusiasmo.


Mas onde fica Lubien? O atlas indicava três possibilidades: 1) Lubien perto de Wrozlav, próximo à fronteira da Alemanha; 2) Lubien perto de Teczycay, na estrada que vai para Lodz, e 3) Lubien Kujawski, a uns 29 km de Wrozlawek. Meu avô Chaim sabia falar alemão muito bem, mas eu estava certo de que minha avó tinha dito que ele era de Wrozlawek, não de Wrozlav. Além disso, um mapa detalhado da estrada indicava um lago na entrada de Lubien Kujawski e minha avó havia me contado sobre o lago no qual ela nadava no verão e patinava no inverno. Lubien Kujawski devia ser a "minha" Lubien.


Às 5 da manhã de um domingo, no 28º dia de Nissan de 5753 (1993), parti do Fórum Hotel de Varsóvia com um motorista que havia sido especialmente recomendado. Seu nome era Greg, apelido de Gregor, e era um médico polonês que falava inglês perfeitamente. Nosso destino era a minha "cidade natal de Lubien". Eu estava muito animado, embora minha sábia esposa houvesse me prevenido, dizendo que eu não encontraria meu avô Shlomo esperando por mim com uma guemará aberta em suas mãos e uma canção dos chassidim de Guer em seus lábios. Quando deixamos a cidade de Varsóvia e começamos a nos aproximar das cidades menores, elas me pareceram vagamente familiares, com seus prados verdejantes e suas florestas, entre cujas árvores podiam ser vistas cabanas, cavalos e pessoas. Ali pensei ver Tevye, o leiteiro, ensinando ao seu filho uma porção do Chumash em seu caminho de entregas e, mais adiante, eu quase tive certeza de ter visto um chassid retornando para casa, depois de passar as férias com seu rebe. Infelizmente, eu estava bem ciente de que a Polônia tinha se tornado um lugar virtualmente sem judeus. Meu coração deu um pulo quando avistamos o letreiro anunciando Lubien Kujawski e pude ver pequenas fazendas em volta do lago, o cemitério cristão e a grande igreja. Tudo como minha avó havia descrito; parecia não ter mudado nada.


Meu motorista polonês estava muito surpreso por ver que a cidade que eu amorosamente descrevera com dados da minha imaginação se parecia tanto com a realidade que havíamos encontrado. "Tem certeza de que nunca esteve aqui antes?", ele me perguntou. "Sim, eu realmente nasci aqui", respondi, deixando-o sem entender mais nada. Havia, contudo, uma discrepância, pois minha avó descrevera o cemitério judaico como estando localizado do lado oposto ao cemitério cristão, do outro lado do lago, na entrada de Lubien. Eu esperava encontrar o túmulo do meu bisavô Shlomo e transportá-lo para Israel, talvez para Efrat. Mas não havia nenhum cemitério judaico do outro lado; havia apenas um estacionamento.


Entramos na pequena cidade, que consistia de mais ou menos 300 famílias. Havia barracas num mercado ao ar livre, ruas sem pavimentação, cavalos, bicicletas, velhas casas de madeira e uma igreja impressionante. Greg me deixou no carro, tomando conta de minha bagagem, e saiu à procura de alguém que se lembrasse da família Kowasky. Um residente polonês o encaminhou a outro, até que a filha de uma senhora de 91 anos, que sempre morara perto dos judeus, disse estar certa de que, se voltássemos dentro de uma hora, quando sua mãe já estivesse acordada, ela poderia nos ajudar. No ínterim, exploramos Lubien e, antes das 9 horas, uma senhora idosa com um rosto animado e olhos sorridentes estava ansiosamente nos esperando na porta de sua casa. "Pan Kowasky, Pan Kowasky", ela me saudou, curvando-se enquanto falava feliz e me fazia entrar em sua modesta casa. A mesa estava posta com bolos e biscoitos e Greg traduziu suas palavras em polonês que foram despejadas numa torrente amistosa.


"Claro que me lembro de sua família. Seu bisavô era o rabino dos rabinos (ela queria dizer que ele era o daian, ou melhor, o juiz da cidade). Ele era um homem muito velho quando eu ainda era uma jovem. Todo muno dizia que o anjo da morte havia se esquecido dele. Meu pai era o prefeito da cidade e, por isso, o rabino da cidade, o Rabino Petrofsky, e, para assuntos mais importantes, o seu bisavô, vinham muito à nossa casa. Vejo que o senhor não está comendo meus bolos. Vou lhe dar o que minha mãe costumava dar ao seu bisavô: chá num copo de vidro. Isto o senhor poderá beber."


"Era uma comunidade judaica bonita na época em que sua família morava aqui. Eram 150 famílias judias e 150 polonesas. Burack era quem fazia as circuncisões dos garotos de 8 dias de idade. Sua filha era a esposa do Rabino Petrofsky. Zhilitowsky era o que batia na porta dos judeus para chamá-los para as rezas. Todos os homens judeus iam rezar de manhã cedo. Brystgowsky era o padeiro. Todos os judeus colocavam, nas sextas-feiras à tarde, seus cozidos em seu grande forno, onde ficavam até o almoço de sábado. Creio que chamavam o cozido de cholent. Nenhum judeu acendia fogo no sábado. Seu bisavô era um homem muito sábio, um grande juiz, mas ele insistia em trabalhar para ganhar seu pão. Até morrer, ele vendeu feno e aveia para os fazendeiros vizinhos. Sua filha mais velha se casou com um de seus alunos, um rapaz de Wlozlawek. Ele foi embora para a América e, até que ele mandou buscá-la e aos filhos, ela dirigiu uma pousada e um restaurante numa extensão da casa de seu pai. Era ali, do outro lado da rua, em frente à igreja."

"A sinagoga era bonita. Em 1939, quando os nazistas vieram, todos os judeus - homens, mulheres e crianças - foram lá para rezar. Os nazistas incendiaram a sinagoga e não deixaram os bombeiros apagar o fogo. Não só a sinagoga, mas todo o quarteirão foi queimado, porque eram casas de madeira. A casa de seu bisavô sobreviveu ao fogo porque era do outro lado, como eu lhe disse, ao lado da igreja. Ela queimou mais tarde, depois da guerra, num fogo provocado por eletricidade. Mas ela foi reconstruída."


"Todos os judeus foram levados e mortos. Os últimos Kowaskys eram alfaiates. Talvez algum tenha sobrevivido, mas a maioria foi morta." 
"O cemitério judaico? Era do outro lado do lago, em frente ao cristão. Os nazistas o destruíram, reviraram toda a terra e levaram as lápides para serem usadas na pavimentação de seus campos de concentração." 


Agradeci a gentil senhora Helene Michalak. Fiquei admirado com sua memória e satisfeito pela confirmação que ela me forneceu das histórias que alimentaram minha infância e deram origem à paixão de minha vida. Ela me deixou usar sua câmera e até me vendeu alguns filmes para que eu, ainda em transe, fotografasse Lubien. Em cada canto eu sentia fantasmas do meu passado (e gurus do meu futuro). O único momento em que não pude conter minhas lágrimas foi diante do solo árido na frente do lago na entrada da cidade, do lado oposto ao cemitério cristão. Cantei o El Malê Rachamim por meu avô e saí apressado.


Voltei para minha casa em Israel, triste e amargurado com o que havia sido perdido, mas grato pela memória. Viajei à Polônia para achar Lubien, para recapturar minha infância, para descobrir minhas raízes. Mas onde está Lubien? Compreendo agora que Lubien não está perto de Wrozlaw nem de Wrozlawek. De fato, Lubien não está mais na Polônia. Lubien está comigo e com meus netos israelenses aqui em Efrat, em Israel, e eu espero que esteja também nestas palavras, pelas quais tento fornecer mais alguns comentários à nossa eterna Torá.

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INTRODUÇÃO

O universo dos comentários bíblicos revela um infinito número de segredos. Podemos dizer que a Bíblia - que contêm a sabedoria do que é Divino - pode ser comparada a um magnífico diamante, reluzindo simultaneamente com múltiplos brilhos e diferentes cores. Os vários matizes parecem se opor uns aos outros, mas, se observarmos todo o conjunto das luzes que emanam do diamante, começaremos a apreciar sua complementaridade e a perceber quão harmonioso é o conjunto que formam.


Analogamente, os sábios do Talmud compreenderam que em cada pronunciamento bíblico há muitas verdades possíveis, cada uma delas adicionando sua melodia única à magnífica sinfonia do conjunto, sintetizando não uma dissonância conflituosa, mas sim uma sagrada dialética:

"A Escola do Rabi Ishmael ensinou: 'Como um martelo golpeando uma rocha' (Jeremias 23:29) - assim como o martelo origina diferentes chispas, um único versículo bíblico traz à luz diferentes interpretações'."

TB San'hedrin 34a

Assim sendo, a palavra chave de qualquer comentário bíblico que abrange diferentes interpretações para o mesmo versículo é PaRDeS (literalmente, pomar) que compreende: Peshat, o significado literal do texto; Remez, o significado simbólico; Derash, a explicação rabínica; e Sod, o significado oculto, o sentido místico do texto. A soma dessas interpretações compõem as ?setenta faces? da Torá, que simbolizam as setenta nações do mundo e as setenta diferentes formas de encarar a vida, que refletem as múltiplas possibilidades de prospecção do significado da Bíblia e de compreensão ? embora imperfeita e incompleta - do Divino.


Assim, a Bíblia tem a extraordinária habilidade de falar conosco simultaneamente com diferentes vozes. O mais notável é que, além de podermos escutar a voz do Eterno nos apresentando Suas determinações no Sinai há 4.000 anos, também conseguimos ouvir as vozes dos sábios do Talmud comentando o texto e as tradições. Eu ainda acredito que, toda semana, a Torá fala diretamente comigo sobre minhas preocupações individuais e comunitárias, sempre de forma relevante e inspiradora. 


O Talmud chama a Bíblia de micrá, cuja raiz (crá), em seu significado usual, é a mesma do verbo ler, pois a Lei Escrita é lida publicamente às segundas, quintas, sábados e nos dias de festa. Mas Israel Eldad, na introdução de seu livro "Reflexões sobre a Bíblia" (Heguionot Bamicra, Tel Aviv, 2001) sugere que o termo provêm da mesma raiz crá, mas que ele deve ser interpretado com o significado de "chamar". A Bíblia nos faz um chamado - algumas vezes nos confortando e por vezes nos repreendendo; às vezes parecendo emanar de um passado distante e às vezes ressoando de um presente imediato -, mas sempre com o imperativo de que mudemos nosso comportamento e busquemos alcançar um nível mais elevado de moralidade e santidade. Na realidade, é esse o significado da bênção que deve ser pronunciada por aquele que é chamado à Torá: "Bendito sejas Tu, Eterno nosso Deus, Rei do Universo, que nos escolheste entre todas as nações e nos deste (tempo passado) a Torá. Bendito sejas Tu, ó Eterno, que nos dá (tempo presente) a Torá."


É precisamente pelo fato de a Torá ser, ao mesmo tempo, o documento escrito mais antigo e continuar a orientar a vida humana de modo atual e relevante, que podemos verificar que ensinar e estudar a Bíblia é o ponto de partida para as glórias de nossa tradição. Múltiplas possibilidades de interpretação surgem continuamente e tornam contemporâneo o significado dos mandamentos e a relevância das várias narrativas, sempre permitindo aos indivíduos de cada geração descobrir motivações significativas, tanto éticas como espirituais, nos aspectos e rituais do judaísmo. Cada um descobrirá seu peshutó shel micrá - seu próprio significado literal do texto, que adquire todo dia um significado renovado. (Ver "Introdução ao Comentário do Rashbam" de M. Rosen e sua citação da carta do Rashi ao seu neto.)


Quando estudo as páginas da Torá e seus comentaristas, muitas vezes murmuro as palavras do salmista: "Se não me deliciasse com a Torá, minha aflição me faria perecer." O Pentateuco, em especial, tem sido uma fonte de inspiração e conforto para mim. Quando eu estava planejando minha aliyá, a importância de viver em Israel clamava a mim de cada uma de suas páginas; durante a guerra do Golfo e as várias revoltas árabes que passamos, os versículos sobre como o Eterno endureceu o coração do Faraó adquiriram novo significado; quando vivencio as tensões humanas entre pais e filhos, o livro do Gênesis me provê conforto e inspiração. Meus esforços para compreender com mais profundidade alguns trechos da Torá refletem meus debates com a vida em si. A habilidade da Torá de falar com cada geração e com cada pessoa simultaneamente é o maior testemunho da sua Divindade. Considero um grande privilégio poder compartilhar as múltiplas verdades que busco na Torá a cada dia. E se as minhas palavras forem insuficientes, será somente por causa da pequenez da minha percepção ante a infinita sabedoria do Doador da Torá.



Sobre o autor

Educador de renome internacional, palestrante e escritor, o Rabino Dr. Shlomo Riskin recebeu de seu mentor, o Rabino Joseph B. Soloveitchik, sua ordenação rabínica na Yeshiva University e seu Ph.D. na New York University.

 

Suas extraordinárias contribuições tanto para Israel quanto para os judeus de todo o mundo tornaram-no uma das vozes mais importantes da ortodoxia moderna. Ele se destaca especialmente por seus programas educacionais inovadores e por seus programas de ação social baseados em sua visão especial do autêntico judaísmo, sensível às necessidades de cada ser humano e capaz de apresentar respostas a todas as preocupações universais.

 

Tendo por base esta filosofia, ele fundou e atua como reitor do Ohr Torah Stone Colleges and Graduate Programs, uma rede de instituições educacionais que engloba o Instituto Superior para Formação de Rabinos e Líderes Comunitários e de Estudos Judaicos Avançados; o Programa de Treinamento para Advogadas – único no mundo –, para que mulheres possam atuar nas cortes rabínicas; o Centro de Apoio Legal para Agunot e o Programa de Hesder para Moças Religiosas, que visa habilitá-las a servir no Exército de Defesa de Israel. Além disso, criou um programa para que mulheres com deficiências possam passar um ano em Israel, e outro, para que judeus seculares possam vivenciar a beleza e a relevância da herança e da cultura judaica.

 

Além de palestrante muito conhecido, já publicou cinco livros, inúmeros artigos e monografias sobre temas judaicos contemporâneos, e mantém uma coluna semanal em jornais por todo o mundo. Nascido no Brooklyn, atua como Rabino-Chefe da cidade de Efrat, em Israel, onde mora como sua esposa Vicky e toda a sua família.

Avaliação dos Clientes

    • gostei muito
    • 15 de dezembro de 2015
  • anônimo
  • recomendo este produto
  • Pena que só tem o Luzes da Torá> Gênesis... o livro é sensacionallll maravilhoso sem mais adjetivos. Aguardo os proximos volumes...

    • gostei muito
    • 09 de junho de 2015
  • anônimo
  • recomendo este produto
  • Luzes da Torá é uma obra inspirada e inspiradora, para mentes privilegiadas.
    Seu conteúdo é luz para os caminhos daqueles que encontrarão a paz e felicidade.
    Diga-se que Freud retirou da Torá todo o conhecimento que lhe deu o suficiente para criar a psicanálise.
    Na verdade a psicanálise já estava codificada na Torá. Freud, somente, a viu primeiro.
    LUZES DA TORÁ.
    O Rab Sholmo  foi brindado pelo Eterno ao escrevê-la.