PRÓLOGO
Um amigo meu, um judeu totalmente afastado de Deus e das práticas religiosas ? devo dizer que se trata de um homem notável, de mente privilegiada ? veio à minha casa numa noite fria de novembro e, não sem um certo embaraço, disse: "Isto pode soar como uma surpresa, mas será que você pode me indicar algum material de leitura sobre Chanucá? Acho que meu filho precisa saber um pouco mais sobre sua própria origem." Com uma pitada de ironia, acrescentou: "É uma questão cultural, você compreende, não religiosa!"
Não é sempre que alguém, nem mesmo um prolixo novelista, senta-se à mesa e escreve um livro em resposta a uma pergunta casual. Mas acho que foi exatamente o que fiz aqui. Obviamente, o livro já existia e precisava apenas ser colocado no papel. O pedido do meu amigo apenas precipitou as coisas. Na verdade, eu convivia com o desejo de escrever sobre a fé judaica havia alguns anos.
O judaísmo sempre foi uma fonte de profundo interesse para mim. É parte essencial da minha vida e da vida de minha família. Meus filhos falam hebraico perfeitamente, leem o Antigo Testamento no original, estão familiarizados com a literatura rabínica, e conhecem nossas leis e tradições. É esta a nossa maneira de viver. Creio que posso oferecer ao leitor interessado um esboço sobre o assunto, utilizando quaisquer habilidades literárias que eu tenha conseguido aprender ao longo do tempo para não aborrecê-lo com detalhes desnecessários, ou com minhas próprias teorias pouco relevantes.
Há muitos judeus que, embora não observantes, gostariam de conhecer melhor os fundamentos e a prática da religião. Há também não judeus que nutrem curiosidade em relação à nossa fé. Mas a literatura disponível é tão extensa, poucas são as obras traduzidas [à época - N.T.], e boa parte delas é tão rica em erudição que os interessados sentem-se perdidos, sem saber ao certo por onde começar. A eles, aos que procuram um começo, dedico este trabalho.
Não podemos esquecer que o básico para alguns é o excessivo para outros. Procurei estabelecer um meio termo. Tenho a esperança de que os estudiosos que decidirem folhear o livro não tracem de imediato um paralelo entre minha ignorância e tudo aquilo que foi omitido. Uma grande parte do trabalho foi eleger o conteúdo definitivo. Minha missão era escrever um pequeno livro sobre um tema que abrange praticamente toda a História; um tema que ocupa bibliotecas inteiras, abrange todas as questões clássicas da vida humana, e suscita permanentemente discussões as mais variadas e turbulentas. Reduzir o escopo original solicitou um esforço imenso.
Deus
Não faz sentido discutir religião com quem tem a certeza de que Deus não existe. Meu livro irritará tais pessoas e não lhes trará nenhuma luz. Não posso mudar sua forma de pensar, e nem pretendo tentar. Mas, pessoalmente, vejo o agnosticismo, quando transformado em dogma, como uma desvantagem tão grande quanto a superstição. Pode-se pensar que não há prova concreta, decisiva, quanto à existência de Deus. Agora, imagine como o mundo seria estranho se o seu Criador fosse visível como, por exemplo, um autor teatral em noite de estreia. Eis o universo, este fascinante conjunto de maravilhas organizadas em perfeita ordem, que parece não ter um Autor. Eis a vida humana, repleta de tristezas, episódios trágicos e futilidades, sempre terminando com a morte. Para muitos, refutar a noção de que exista um Deus orquestrando tudo isto parece lógico. Qualquer tipo de afirmação que se faça a respeito de Deus - se Ele existe ou não; se podemos ou não conhecê-Lo - pode ser vista como um salto em direção à escuridão.
Os religiosos tendem a encontrar, entre os agnósticos, uma certeza cristalizada quanto à fé em Deus: ela serviria de muleta para os fracos e amedrontados. Igualmente tolo, porém, seria afirmar que a ausência de fé também representa uma muleta - desta vez, amparando depravados e ignorantes. Confesso que não posso deixar de sorrir quando alguém que evidentemente nada leu sobre o assunto, a não ser, talvez, o sumário em tom agnóstico de um livro como O Homem e Seus Deuses, aproxima-se e me diz, num tom de voz condescendente, que as pessoas fazem muito bem em ser religiosas, se isto lhes traz alento.
Em tese, a crença em Deus pode eventualmente vir a se revelar um equívoco. Mas enquanto isto não acontece, e trato de ser muito claro aqui, observamos que a fé não é meramente um sentimento que conforta a alma - embora também o seja, o que faz dela um sentimento ainda mais elevado. Argumentar intelectualmente contra a crença em Deus tem sido a missão de inúmeros pensadores ao longo do tempo, pensadores dotados de mentes invejáveis. Hoje em dia, como nos cem últimos anos, a moda é não acreditar em Deus. Daí, a publicação de tantos livros racionalistas, regularmente lançados por editoras menores. A própria popularidade alcançada por estes livros já deveria ser suficiente para levantar suspeitas junto a pessoas criteriosas.
Por outro lado, as ideias de Kierkegaard, que escreveu livros profundamente religiosos, e negligenciados por mais de cem anos, encontra-se atualmente na vanguarda de um novo pensamento. Suas obras não mudaram. O que, sim, está mudando, é a direção explorada por esta vanguarda. Torna-se cada vez mais claro que Freud pode ser uma muleta, assim como Marx e o pensamento racionalista, e que o ateísmo pode não passar de duas bengalas e um par de suportes ortopédicos. Nenhum de nós tem todas as respostas, e é provável que nunca as tenhamos. Mas, numa terra de coxos, o homem que tem certeza de que não manca costuma ser o mais gravemente aleijado.
Tenho a responsabilidade de descrever a concepção judaica de Deus da melhor maneira possível. Num outro tipo de livro, talvez o primeiro capítulo abordasse exclusivamente este assunto. Minha esperança é que, aqui, a visão judaica do Criador seja uma constante, apreendida pelo leitor página após página. Sei que posso descrever nossa religião, mas creio que serei menos hábil ao tratar de minúcias da teologia. Não obstante, tentarei fazer o melhor. Também estou ciente de que cada tópico abordado levantará questões sobre Deus. Escrevo para pessoas que, pelo menos, mantém a mente aberta em relação à existência e à obra de Deus, e que gostariam de conhecer algo sobre o caminho judaico que leva a Ele.
Um livro sobre judaísmo habitualmente suscita controvérsias. O tema desafia a imparcialidade. Qualquer coisa que se escreva implica uma ótica pessoal. O leitor logo perceberá que credito a sobrevivência do povo judeu à intervenção Divina, e que o respeito à Lei de Moisés é a chave para a continuidade. Muitos judeus fortemente identificados discordarão do meu ponto de vista. Sei que se o livro chamar a atenção, inevitavelmente provocará controvérsia. Meu objetivo é despertar o interesse pelo judaísmo. Aqueles que discordarem de mim estarão servindo a mesma causa, a partir de suas próprias convicções.
Existem pessoas - e não são poucas, nem tampouco ignorantes - que realmente acreditam na assimilação como a única solução definitiva para a questão judaica. Este livro coloca-se exatamente no polo oposto a esta visão. Eu acredito ser nossa missão a de viver e servir a Deus de acordo com nossa identidade até o dia prometido em que Seu Nome será Um sobre toda a terra. Vejo a extinção da fé e do conhecimento judaicos como uma tragédia de proporções imensuráveis.
Meu Objetivo
Hoje, os judeus têm a mesma liberdade e igualdade de direitos garantidas a todos os cidadãos, condição tantas vezes negada ao longo de nossa saga na Diáspora. Em Israel, caminha-se livremente sobre o solo sagrado, uma realidade que para muitos de nós ainda é um milagre.
Para o povo judeu, o triste resultado das profundas transformações históricas ocorridas ao longo dos últimos séculos tem se revelado, sobretudo, no declínio da produção intelectual e na perda do conhecimento acumulado. Isto já aconteceu antes, em outros períodos críticos da nossa história. Os livros de Esdras e Neemias, datados do exílio babilônico, descrevem uma comunidade ainda mais próxima da ignorância e do consequente risco de extinção do que a nossa. Felizmente, a reafirmação da identidade judaica através do estudo verifica-se hoje em todo o mundo livre. Tenho a esperança de que meu livro possa servir como instrumento elementar neste processo.
O leitor perceberá que me detenho nos aspectos mais atraentes e impressionantes dos judeus e do judaísmo. Para mim, são eles os mais significativos. Geração após geração, os erros cometidos por judeus costumam ser divulgados de forma exagerada e, muitas vezes, mentirosa. Os nazistas gastaram milhões para fazer o mundo acreditar que éramos menos do que humanos, num prólogo de sua tentativa em nos destruir completamente. Meu objetivo, neste livro, é falar a verdade - sobre a minha fé e sobre o meu povo.
Uma nota sobre estilo: se algumas vezes adoto uma forma mais amena de escrever, isto não quer dizer que eu esteja abordando os fatos com menor rigor. O leitor não tiraria proveito algum de jargões técnicos empregados com o propósito de convencê-lo do peso das minhas palavras. Procurei escrever da forma mais clara e agradável possível, e trabalhei com afinco em busca da simplificação.