Prefácil
Joseph Eskenazi Pernidji se viu compelido a partir em busca de suas raízes. Ele as encontra, e ao expô-las neste livro revela-se a si mesmo. Em longo périplo, mostra um mundo de gente e povos, uma sucessão de misérias e grandezas humanas, em meio milênio de conquistas e desatinos. O ponto de vista sob o qual se vê esse mundo é o da minoria, do oprimido, do perseguido, do expulso. Não por escolha do autor, mas porque foi assim que aconteceu.
Um livro é um porção de coisas ao mesmo tempo: uma trama, seus personagens, seu cenário, seu tempo, suas circunstâncias - com uma construção e um estilo que o estruturam. E por meio disso tudo o leitor chega à substância da obra, à essência consegue discernir nela, e que nem sempre coincide com o que o autor tinha em mente ao concebê-la.
Por isso a obra, uma vez completada, ganha vida própria. Ela é o que é , mas é também o que nela se verá ao longo do tempo. Será sempre aquela que seu autor produziu, mas será também o que cada um extrair dela.
Somos frutos de uma cadeia ininterrupta de seres vivos bem-sucedidos, desde a mais remota e primeva forma da vida. Durante bilhões de anos, todos os nossos antepassados conseguiram a formidável proeza de ser gerados, chegar a termo e nascer, cumpri-las todas com sucesso é a exceção. A vida, o fato de existir, é mesmo um dom, seja de D'us, seja do acaso.
Herdeiros dessa longa história de êxitos, para que sobrevivamos nós, seres humanos, impõe-se a sobrevivência do grupo no qual nos inserimos. Este livro é sobre a difícil e heroica tarefa de sobreviver como indivíduo e como grupo sem perder a identidade - e não importa quando, nem como, vamos encontra-la.
É a história de um grupo, mas é também a história de todos os grupos. São as aventuras de uma família, mas também as peripécias da grande família humana. É a história de uma vida, de muitas vidas, mas é, se assim me for permitido dizer,uma história sobre a própria Vida.
História é aqui uma palavra-chave, pois este é um livro de história. E é uma história ibérica, lusitana e espanhola, mediterrânea por extensão. É uma história profunda, subtraída da memória, pouco conhecida. E, ao mesmo tempo, tão próxima e tão presente, que é difícil percorrê-la sem momentos de reverente espanto e inesperados encontros.
Mais que isso, é uma visão de nossa própria face hoje: Judeus, não são judeus, novamente judeus e não judeus, que vieram das ocidentais praias lusitanas, e de mais longe ainda, alguns na ilusão de inaugurar novos antepassado nestas novas terras. Figuras, lendas, rimas, hábitos, sobrenomes, fantasmas que, embora despercebido, até hoje circulam na cultura e no sangue de grande parte dos brasileiros. Quem tem ascendência em Portugal ou Espanha irá reconhecer na sua história familiar traços dessa gente com a qual compartilhamos tantas coisas.
Em sua narrativa Joseph trança com habilidade vários fios, com várias pontas, que partem de lugares diferentes e em épocas diferentes, cujas trajetórias se cruzam e se afastam. Traz á luz documentos importantes, o que deixa ver o esforço pessoal e rigor na pesquisa de fontes e referências. A "carpintaria" da obra é habilidosa, a leitura agradável, o estilo direto, franco, límpido.
Um depoimento: a amizade entre o aluno Joseph e seu professor, Carlos Flexa Ribeiro, meu pai, forjada em sala de aula e sempre inalterada, me foi transmitida desde eu criança através do afeto e admiração que brotavam de meu pai sempre que este se referia ao Eskenazi, como eu pai o chamava. O Eskenazi foi uma de minhas importantes referencias formativas, pelo interesse nos estudos, pela avidez na leitura, pela ânsia de aprender, pela inteligência que meu pai tanto louvava nele.
Mas eu não sabia a história dos Eskenesi, e ela traz outro reencontro inesperado. Vejo-os neste livro, no início do século, em Belém do Pará, na mesma época em que Alice e José, pais de meu pai, ali ensinavam no Liceu Paes de Carvalho. Belém não era tão grande que de alguma forma essas trajetórias não se tenham tocado, e a trama aumenta dessa vez em direção a um passado comum, até agora desconhecido. E sabe-se lá que outros, talvez maiores reencontros, possam ser descobertos se recuarmos ainda mias, até Portugal, de onde todos partiram...
Este livro talvez tenha sido concebido como uma obra pessoal, quase um depoimento. É certamente a liberação de sentimentos e sofrimentos acumulados em gerações, como se na esperança de que esses, uma vez compartilhados com generosidade, se façam férteis e possam então finalmente ser superados. Nesse sentido, a obra se faz universal.
por todas as razões, é um livro que se deve ler: pelos mais velhos, judeus ou não, para não esquecer; pelos mais novos, judeus ou não, para conhecer. Pois Joseph, ao narrar as atribulações de sua gente, fala das aflições de todos nós.