Educação: responsabilidade dos pais ou da escola?
A educação dos filhos
Muitas vezes, quando a pessoa se torna pai ou mãe, ela acredita que sabe um pouco sobre a função só por ter observado o filho dos outros, mas com os próprios filhos é sempre diferente, e só assim uma pessoa realmente entende o que é ser pai.
Quanto mais os filhos crescem, mais percebemos que não entendemos nada sobre eles. O tema da educação dos filhos é muito, muito complexo. É necessário ler e aprender o quanto possível, mas é necessário lembrarmos que o ingrediente indispensável, que nos é ensinado pela Torá, é a participação de Hashem através da tefilá (reza). Não importa o momento e o local em que a tefilá é feita... Os pais podem ser os mais especialistas no assunto, os mais entendidos, mas sem a tefilá a educação dos filhos está em perigo. Com a ajuda de Hashem, nós progredimos e alcançamos certas qualidades que Hashem espera de nós.
Por que educar os filhos é tão difícil? Por que eles não vêm prontos?
Se fizermos cálculos matemáticos, descobriremos que se alguém tiver três filhos e depois cada filho tiver mais três filhos, e assim por diante, na décima geração teremos o número de 59.049 pessoas. Por um lado, educar é difícil, mas Hashem entende que o poder da educação é grande e incrível, e que uma educação bem transmitida repercute de maneira fabulosa no mundo.
O conceito de educação na Torá é um assunto muito estudado e comentado. Educação consiste em refinar o caráter e educar o filho, ou o aluno.
A primeira menção de educação
A educação já aparece na leitura do shemá: veshinantam lebanêcha, ensinarás a Torá aos seus filhos. O Rav Matisyahu Salomon, em seu livro “Matnat Haim”, diz que a expressão veshinantam lebanêcha se aplica ao ensino da Torá, e, além disso, a refinar o caráter do aluno, do filho. Onde encontramos esta obrigação?
Em Provérbios 22:6 lemos Chanoch lenaar al pi darco, ensine o seu filho segundo a tendência dele, pois assim ele irá interiorizar e absorver a educação que lhe foi dada.
O Talmud, no tratado de Kidushin, pagina 29a, faz a seguinte observação sobre educar o filho seguindo suas tendências: o versículo diz que a partir dos 16 ou 18 anos, mais ou menos, os pais orientam quando é bom o filho casar, por exemplo, mas e até os 16 anos? Onde aparece o conceito de educar os filhos desde pequenos dentro da Torá?
O Talmud nos diz que se uma criança já sabe se cuidar, já sabe pôr tefilin, sabe segurar o lulav de maneira correta, ela já está educada a fazer as mitsvot. Mas não encontramos na Torá a educação como aperfeiçoamento do caráter.
Avraham Avinu e a educação
Por que Hashem escolheu Avraham Avinu para ser nosso primeiro patricarca? Qual foi o seu mérito? Sabemos que foi famoso por sua bondade, pela akedat Yitschac e pelo brit milá em idade avançada. Foi por isso que ele se tornou o primeiro patriarca, e por esta mesma razão se pronuncia três vezes ao dia o seu nome, ao dizer “Elokê Avraham” na amidá.
Na porção Vaierá está escrito que Avraham será pai de um povo numeroso, e os judeus estarão nos quatro cantos do mundo. Qual teria sido a razão disto? Seria pela bondade, pelo brit milá ou pelos seus atos? O versículo descarta todas estas respostas e nos diz que é porque Avraham daria continuidade ao que Hashem lhe ensinou, para que seus filhos guardassem estes atos e dessem continuidade a eles, mantendo assim a Torá viva. Por isso, Hashem escolheu Avraham Avinu para ser o primeiro patriarca, pois Ele sabia que Avraham passaria os ensinamentos para as próximas gerações.
Avraham teve Yitschak que depois teve o seu filho Yaacov, pois Avraham se dispôs a colocar as suas energias em que os seus filhos continuassem com as tradições da sagrada Torá. Como ele conseguiu fazer isto? Como ele conseguiu que Yitschak e Yaacov se tornassem nossos patriarcas? Naquele tempo não havia escolas, nem yeshivot!
O livro “Meshech Chochma” nos conta que Avraham Avinu adorava Hashem e sempre perguntava aos outros se conheciam Hashem. Nós sabemos que ele era famoso pela sua hospitalidade e todos que vinham à sua tenda saiam de lá conhecendo Hashem, pois quando gostamos muito de algo, nós divulgamos aos outros. Foi o que aconteceu com Avraham Avinu. Assim ele educou os seus filhos e também os outros, pois ele mostrava que a beleza do universo estava presente graças à criação de Hashem e assim ia inserindo esse conceito na vida de todos.
Educação como refinamento de caráter
Onde aparece a mitsvá de refinar o caráter dos nossos filhos e não somente fazer as mitsvot? Dentro da Torá no versículo “ame Hashem”, pois se amamos Hashem, falamos Dele com alegria e assim os filhos absorverão este amor. Com este exemplo vemos que a educação deve ser transmitida de forma natural, pois não começa quando a criança nasce, mas sim com este amor que os pais têm por Hashem, que vai ser incutido nos filhos ainda antes do nascimento!
O comportamento dos pais também é transmitido para os filhos, e foi por esta razão, de Hashem saber que Avraham iria transmitir “amor a D’us” aos seus filhos, que ele foi escolhido para ser o nosso primeiro patriarca.
Educação nos dias atuais
A geração de hoje é muito curiosa. Hoje em dia, há famílias em que o pai ou avô frequentam a sinagoga e o filho não. O grande desafio que temos é que Hashem disse a Avraham Avinu que queria ver um elo construído entre o pai, o filho e o avô. Se um filho vai à sinagoga e o pai não, algo não está completo. O mesmo se aplica quando o pai vai rezar e o filho não. Nestas situações está faltando algo. Como é possível obter esta continuidade?
A primeira regra da educação é que não existe regra, existem diretrizes que nos levam aonde queremos chegar. Na educação existem caminhos diferentes para chegar ao mesmo ponto. A razão de não ter uma regra para a educação dos filhos é que cada criança é diferente, e o que pode ser bom para um filho não quer dizer que obrigatoriamente será bom para outro filho ou outra criança, pois devemos entender que cada um é único.
Como usar estas diretrizes?
O pai e a mãe conhecem os seus filhos melhor do que qualquer outra pessoa. Eles têm consciência de que ganharam de Hashem algo muito valioso e sabem que a responsabilidade pela educação dos filhos recai sobre eles. Não dá para terceirizar o serviço, mesmo estando cansados ou tendo trabalhado muito.
Um exemplo moderno
Certo dia, senti que a casa estava muito silenciosa, apesar de o meu filho pequeno estar com um amigo e os dois estarem tomando banho de espuma na banheira. Então, desconfiado, fui até o banheiro, abri a porta e vi que a espuma era tanta que estava saindo pelos ralos. Ao ver aquela situação me perguntei como deveria agir.
Uma das possibilidades era brincar com eles e perguntar se eles estavam se divertindo, e isto é educação! Todos nós já fizemos isto e nos divertimos muito! Assim, eu não poderia ter dado uma bronca em uma criança de cinco anos, mas sim curtir com eles. Eu poderia depois falar e ensinar que na próxima vez é para colocar menos xampu.
Quando nos irritamos é muito importante saber como agir e lembrar que um dia nós também já fomos crianças. Por que eles precisam se comportar como adultos enquanto são crianças?
À luz de velas no Talmud
Na mishná de Massechet Shabat, que os sefaradim leem na sexta-feira à noite, está escrito que não se pode ler à luz das velas, pois teme-se que a pessoa chegue a bater na vela para iluminar melhor. Mas a mishná pergunta se um aluno pode ler à luz das velas e a resposta é que sim, ele pode. Por quê?
O Talmud babilônico diz que já que o aluno tem medo do Rav, ele não chegará a bater na vela. Já o Talmud Yerushalmi diz que a criança pode ler, pois ela não terá vontade de bater na vela, pois prefere parar de estudar! Isso foi escrito no Talmud há milhares de anos, pois nosso sábios também foram crianças, não podemos nos esquecer disso...
A teoria de George Summerhill
Um grande psicólogo americano, que faleceu no ano de 1800, de nome George Summerhill, definiu a adolescência como sendo um novo nascimento, em que a pessoa ainda não é homem, mas não é mais criança. Às vezes ele próprio não sabe o que é, e por isto é um novo nascimento, um novo ser surgindo. Por isso, nem sempre é fácil compreender o adolescente, pois às vezes, nem ele mesmo consegue entender a si mesmo...
A história do Hoze de Lublin
Certo dia, o Hoze de Lublin estava viajando na véspera de shabat e sua caravana parou no mesmo lugar que ele morou quando era jovem. Ele quis dar uma volta para ver como estava a cidade da sua infância. Ele tirou a vestimenta de Rav e foi circular com roupas normais. Obviamente, ninguém o reconheceu.
Depois de rezar, procurou um lugar onde comer e o dono de uma casa o recebeu e lhe ofereceu um jantar. Quando começaram a conversar sobre as suas atividades, o Rav disse que estudava e o anfitrião lhe disse que era sapateiro. De repente, no meio da conversa, o dono da casa começou a chorar muito forte, e ao ser indagado, disse que na verdade não era sapateiro, mas sim professor de crianças. O Rav então lhe perguntou por que ele estava chorando, e o que tinha acontecido. O anfitrião lhe contou que no passado era professor e tinha uma ótima reputação até que certo dia ele tomou uma atitude da qual ele se arrependia muito, de ter brigado com um aluno que sempre chegava atrasado. Contou que nenhuma conversa ou orientação causavam efeito sobre o menino. Certa vez, aquele menino disse ao professor que a razão do atraso era que a sua mãe estava doente. O professor contou então que reagiu dando um tapa na cara do aluno, pois achava que era mentira.
O professor disse que nunca tinha conseguido pedir desculpas ao aluno, e que sempre ficava se perguntando o que aquele tapa poderia ter causado e o qual teria sido o destino do aluno. Ele disse: “Eu sei que errei e também acertei com os meus alunos, mas eu queria ter certeza que eu não estraguei o futuro deste aluno em particular”.
O Rav perguntou qual era o nome do menino, e o sapateiro lhe disse que era Yankel. O Rav abraçou o anfitrião bem forte e lhe disse para não se preocupar... No final, ele se revelou como o Hoze de Lublin e disse que ele tinha certeza que aquele menino não tinha saído do caminho da Torá, pois aquele aluno era o próprio Hoze de Lublin!
Obviamente, nem sempre acontece de um aluno não sair do caminho da Torá, pois às vezes uma palavra inadequada pode repercutir por anos. Na hora pode funcionar, mas a pergunta que os pais devem se fazer é se vai ajudar ou não a longo prazo. Educar é imaginar a consequência que nossos atos terão em nossos filhos.
Como desfrutar da educação
Não é fácil, mas é possível curtir este processo e aprender a gostar de educar. Por exemplo, pensando e vislumbrando como vai ser o bar mitsvá, o casamento dele, imaginando que com certeza vai ser uma delícia. Este processo passa tão rápido que devemos curtir ao máximo enquanto ele está ocorrendo. Devemos aproveitar a oportunidade que temos de educar os nossos filhos.
A lição de um educador e diretor
Os pais muitas vezes confundem os conceitos de segurança e superproteção. Precisamos abraçar nossos filhos, cuidar da segurança deles, da sua autoestima, conversar com eles. Não devemos concordar com os erros, mas sim entendê-los.
Acontece com frequência de um aluno ser suspenso e o pai ligar para o diretor perguntando qual foi o motivo da suspensão do filho. O diretor então responde que o pai deve perguntar ao filho por que foi suspenso. O pai questiona se era um motivo tão forte a ponto de justificar a suspensão, e isto o pai faz para dar segurança e proteger o filho.
Se o filho errou e o pai sabe educar, ele apontará seu erro, mas explicará que, como pai, continuará gostando dele da mesma maneira. Porém, é preciso mostrar que há consequências deste erro, como talvez a suspensão, ou a execução de um trabalho a mais, etc. Mas, se ligamos para a escola e culpamos o professor e dizemos ao nosso filho para não se preocupar, o que ele vai aprender disto é que sempre alguém resolverá o erro que ele cometeu. Amanhã, esta criança crescerá e haverá situações na vida em que os pais não poderão fazer o mesmo que fizeram com a escola, quando eles eram pequenos. Como essas crianças aprenderão responsabilidade?
O melhor lugar para uma criança aprender, errar e se levantar novamente é na escola. Mas nós, com as melhores das intenções, vamos até a escola e superprotegemos nossos filhos.
Educar requer adotar algumas atitudes que às vezes contrariam nossa vontade imediata de proteger.
Agudat Israel
Temos que saber que as pessoas são diferentes, que é nossa obrigação educar os filhos ou alunos e também curtir a educação, mas sem a reza tudo isto deixa muito a desejar.
Agudat Israel é um movimento nos Estados Unidos que se preocupa com a educação dos judeus em especial. Grande parte do estudo da Torá no mundo hoje se deve a eles. Um dos líderes desse movimento foi Rav Moshê Sherer, grande sábio e ativista na comunidade. Ele conseguia muitos benefícios para as escolas judaicas.
Certa vez, ele estava passando dificuldade em manter as escolas e pressionado pela vontade de dar uma boa educação resolveu escrever uma carta para Rav Aharon Kotler, dizendo que já estava sem forças para continuar. Na carta, ele pedia que o Rav Aharon Kotler o ajudasse a encontrar alguém para substituí-lo.
Rav Kotler o chamou para conversarem e, durante essa conversa, a esposa do Rav, Hanna Kotler, estava presente. A esposa lhe perguntou como ele podia pedir demissão depois de tantos anos, ao que ele respondeu que já não conseguia dormir bem, estava muito preocupado e que isto estava afetando a sua vida e que por isso ele queria achar alguém melhor do que ele. A esposa do Rav voltou a insistir e perguntar como ele podia fazer isto com os judeus e começou a chorar.
Anos depois, o Rav Sherer subiu ao palco de uma das reuniões da Agudat Israel e disse para o público: “Saibam que eu estou aqui hoje no meu quarto mandato, apesar de ter desejado abandoná-lo muitas vezes, graças às lágrimas da esposa do Rav Aharon Kotler, pois quando fui lá pedir que me substituíssem, foram as suas lágrimas tão sinceras que me fizeram nunca mais ousar pedir demissão do meu cargo.”
Como na história, cada lágrima que um pai ou uma mãe derrama por seu filho, Hashem guarda para um momento que o filho necessitar uma salvação. Assim, aquela lágrima rega e faz brotar a salvação para o problema.
Nenhuma reza ou lágrima é em vão quando se trata de educação, e que, com a ajuda de Hashem, possamos nos esforçar pelos nossos filhos, fazendo com que as lágrimas de dificuldades que temos com os filhos se transformem em alegria, como está escrito nos Salmos: aqueles que plantam com lágrimas, vão colher em alegria.
Infelizmente, há muitas crianças que não foram abraçadas na infância. Esquecemos no meio de muitos afazeres que temos de dar amor e afeto às crianças. Muitas são carentes de um abraço ou um aperto de mão carinhoso. Qual foi a última vez que você abraçou seu filho?
Que possamos curtir nossos filhos e que possamos ter sorrisos saudáveis com carinho e amor!