Lúcio Gonçalo de Alcântara
Clãs Parentais não é um livro de genealogia escrito no modelo
tradicional. Dispensa as longas listas de linhagens e os diagramas de
descendências que costumam instruir publicações dessa natureza.
Os autores pinçam alguns de seus ancestrais entre membros das
famílias Alencar, Monte e Feitosa, alguns dos quais se destacaram
na colonização do Ceará desde o século XVII ou em episódios
históricos relevantes, autóctones, conflitos familiares (1724), ou de
cunho regional, na chamada Revolução Pernambucana (1817) e a
Confederação do Equador (1824).
Para falar desses personagens selecionados, a obra mergulha na
história. Quando trata dos primórdios da nossa colonização, remete
ao martírio da Inquisição que baniu tantos portugueses para as terras
virgens e ensolaradas do Nordeste. Ao falar da vivência litigiosa
clânica, comenta a debilidade da administração colonial, a ausência
do Estado nos sertões do Cariri e dos Inhamuns, e a distribuição de
sesmarias como estímulo à ocupação do solo.
Reporta-se às transações entre as autoridades, símbolos do poder,
e os donos de fato do poder, os proprietários rurais. Por isso, afirmo que estamos, na verdade, diante de um livro de história que se serve
da genealogia como suporte integrador. E ao dispor sobre pessoas,
costumes, ambições, relações econômicas, a luta pelo poder e sua
preservação, explica, por exemplo, a incidência dos casamentos
endogâmicos.
Câmara Cascudo (1898-1986), chegou a dizer que "a genealogia é
a menos considerada das colaboradoras da história", enquanto
Hugo Catunda (1899-1980), que pertenceu ao Instituto do Ceará,
Histórico, Geográfico e Antropológico, valoriza a contribuição
de estudos genealógicos como "valiosa fonte de pesquisa que
interessa vivamente à outras disciplinas sociais para explicar a vida
e o comportamento das gerações humanas ao longo dos séculos" . É exatamente isto que ocorreu na obra em prefácio. A partir de
personalidades identificadas no texto, de diferentes épocas, foi
possível estabelecer uma correlação entre seus desempenhos em
eventos históricos marcantes - ocorridos durante os períodos do
Brasil colônia, do Império e da República ?-, sem dourar reputações.
Nesse levantamento histórico, os autores não incidiram no erro de
que a genealogia "não serve para gabar os ancestrais, mas para
identificá-los". Assim como não sucumbiram a armadilhas usuais
em levantamentos do gênero, as quais causam dificuldades ou até
iludem o pesquisador.
Os sobrenomes díspares, ocultam parentescos próximos. A valorização de informações familiares e algumas sonegadas, ocultam o descumprimento do celibato disfarçado sob a sotaina do clero
indisciplinado. Se ao longo do tempo as publicações no âmbito da
genealogia perderam prestígio, as pesquisas em busca das origens
familiares voltaram a ganhar força para subsidiar a obtenção de outra
nacionalidade junto a países europeus.
Nações ibéricas, Portugal e Espanha, promulgaram leis que concedem
aos que comprovem descendência de judeus sefarditas, banidos de
Portugal pela Inquisição, o título de nacionais, assim que o requeiram.
A medida soa como uma retratação tardia pela injustiça cometida
contra esses antecedentes dos beneficiários de hoje, identificados
graças aos modernos meios eletrônicos que prescindem da romaria
aos alfarrábios recolhidos em cartórios, bibliotecas, arquivos e
sacristias, empoeirados e mal conservados.
Foi então, confessa-o Cláudio Gonçalves, que em busca desse
inesperado prêmio, acabou por nos dar, junto com Heitor Feitosa, o
privilégio de saber mais sobre a história do Ceará, e suas conexões
com a brasileira, que ainda requer maior conhecimento e divulgação.
O historiador Capistrano de Abreu (1853-1927), em carta ao Barão
de Studart, mencionou o Ceará como um dos estados a ter melhor
estudado sua própria história, graças ao enorme esforço despendido
por nosso emérito pesquisador. Para sermos dignos dele e outros coevos, e quantos o seguiram na benemérita faina estudiosa, impõe-se recuperá-la.
Saúdo, assim, a dupla de autores, a estreia alvissareira de um (Cláudio)
e a confirmação de reputado investigador de outro (Heitor), pelo
manancial de judiciosas informações ora trazidas à luz, ofertadas
ao público interessado. Só lamento, com escusas, ter incorrido em
texto raso para discorrer sobre tema tão profundo, a merecer mais
de quem possa apreciá?lo com melhor engenho e arte.