Conta a história de David Lorber Rolnik, a partir
de Chelm, cidadezinha natal no interior da Polônia, onde viveu até os seus 19
anos. Quando o país foi ocupado pela Alemanha de Hitler e pela Rússia de Stalin,
na Segunda Guerra Mundial, seguiu-se uma implacável perseguição aos judeus.
Forçado a abandonar o lar e a família, sobreviveu a uma aktzia nazista — uma
marcha mortal —, enfrentou perigos, fome, frio intenso, medo e até a morte que
esteve à sua espreita muitas vezes. "Vivi o inferno e não sei como escapei",
contou anos depois, recordando aquele triste período.
A história é contada
pelos seus filhos Szyja e Blima Lorber, numa homenagem póstuma ao sobrevivente
do Holocausto, reconstituindo momentos cruciais de sua vida ante a barbárie
praticada pelos nazistas e também pelo comunismo de Stalin. Mostra como pessoas
foram arrancadas de suas casas e de seus afazeres, maltratadas, aterrorizadas e
executadas por seguir princípios religiosos, posições políticas e partidárias
diversas que não se enquadravam nos padrões de uma pseudo "raça pura".
A
narrativa biográfica também revela a personalidade do homem que não se abateu
diante das desventuras enfrentadas na Europa e que atravessou meio mundo para
reconstruir no Brasil seu lar e a família.
Para a professora Maria Luiza
Tucci Carneiro, da USP, e coordenadora do Arqshoah – LEER, Arquivo Virtual sobre
Holocausto e Antissemitismo, autora do prefácio, as recordações dolorosas de
David, são "como peças de um grande quebra-cabeça, que refletem uma difícil
imposição do legado às futuras gerações — a reconstrução da memória".
"David
respira para ganhar ar entre um e outro sufoco. Sua trajetória é singular por
registrar cada uma das etapas que marcaram o avanço dos nacional-socialistas em
direção ao Leste europeu. As suas lembranças ajudam-nos a investir contra as
políticas do esquecimento interessadas em apagar vestígios, em assassinar a
memória", diz a professora Tucci Carneiro.
Já a jornalista espanhola Pilar
Rahola, que contribuiu com textos de apresentação, destaca que os relatos são
uma aventura de dor e força, de perdas e reencontros, de morte e renascimento.
"Sobrevivente da tentativa de extermínio e também dos gulags soviéticos, foi
maltratado e teve a morte a persegui-lo, cercando-o e o ferindo ao longo da sua
vida, levando brutalmente sua família e amigos, destruindo a memória do seu
ancestral povoado polonês, assassinando a alma da vida judaica europeia, e
cavalgando no dorso dos dois grandes totalitarismos do século XX: o nazismo e o
stalinismo", explica ela.
Apesar dos fatos contundentes da guerra, o livro é
também uma história de amor, a de David — o menino com nome de rei tantas vezes
perseguido e destinado a sobreviver — pela jovem Malka. Após desencontros
causados pela guerra e suas consequências, os dois puderam, finalmente, dar
continuidade às suas vidas.
As catorze vidas de David aponta como a bondade
venceu a maldade e a memória superou o esquecimento, honrando milhões de pessoas
que perderam suas vozes, suas vidas. Como diz Rahola: "Esta é uma história de
luz sobre as trevas e de amor sobre o ódio. A história de um ser humano que, com
seu testemunho, dignifica a humanidade inteira".