A obra de ficção se realiza quando, pelos olhos do leitor, as linhas e os enredos das letras descerram o imaginário do autor para a imaginação do receptor. E Hóspede Por uma Noite, antes de mais nada e acima de tudo, é uma grande criação ficcional. Tanto mais que em sua trama tal efeito se produz de maneira vívida, singular e intensa, graças à arte de um virtuose da pena, o romancista Sch. I. Agnon, Prêmio Nobel de Literatura de 1966. Sob a forma aparentemente simples de anotações de uma espécie de diário, numa linguagem a um só tempo irônica e terna, a jornada do eu-narrador que volta a sua cidade natal é, na verdade, um último olhar de despedida de seu próprio passado. Nesse percurso e diálogo da vivência evocativa, o leitor, pela mão do autor que o guia, adentra, como o hóspede na “casa de estudos”, as perplexidades e dilemas de uma comunidade e sua gente, que se encontram sem o saber no ponto cego da história. O estranhamento que emana desse ambiente, é justamente a especificidade de onde emerge o intrinsecamente humano e universal. Entre impérios destroçados e vidas em suspenso, Agnon traça o retrato definitivo de um modo de vida e de uma época, numa antevisão de que só a grande arte é capaz e que torna esta obra, lançada à beira da Segunda Guerra Mundial – e do Holocausto – uma das mais emblemáticas de nosso tempo. [JG, GG, LHS]